quarta-feira, 13 de março de 2019

A completa tragédia da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano.


No dia de hoje o assunto, que não vou dizer como o mais comentado, mas sim o mais lamentado do Brasil e provavelmente um dos mais noticiados do mundo, vem nos provocar a triste busca de explicações do que pode levar dois jovens a cometerem um ato tão extremo e sem motivos.

Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos e Luiz Henrique de Castro de 25, ex alunos da escola praticaram uma sequencia inimaginável de crimes horríveis. Como estou escrevendo no mesmo dia dos fatos, certamente muitos detalhes dos crimes praticados ainda serão esclarecidos. Mas em breve resumo os dois assaltaram uma locadora e mataram o dono durante o roubo de um Onix branco. Seguiram para a escola em que estudaram e sem qualquer impedimento entraram e iniciaram os disparos.

As vítimas foram identificadas como:
Marilena Ferreira Vieira Umezo, coordenadora pedagógica
Eliana Regina de Oliveira Xavier, funcionária da escola
Pablo Henrique Rodrigues, aluno
Cleiton Antonio Ribeiro, aluno
Caio Oliveira, aluno
Samuel Melquíades Silva de Oliveira, aluno
Douglas Murilo Celestino, aluno

Essa tragédia é mais uma depois de tantas já ocorridas no mundo e no Brasil. Em nosso país as que receberam grande destaque da imprensa foram:

Em 7 de abril de 2011 na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo
Em 5 de outubro de 2017 no Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente, em Janaúba, Minas Gerais.
Em 20 de outubro de 2017 no Colégio Goyases, em Goiânia.

Não é exagero dizer que parece que temos uma tendência de repetição de fatos semelhantes em escolas no Brasil. E diante destes fatos é importante refletir e agir para que novos acontecimentos não provoquem tragédias ainda maiores. Afirmar com exatidão o motivos e a forma de evita-los não é possível, pois a complexidade dos fatos e as diversas possibilidades em uma sociedade tão grande e diversa não permite essa simplificação das respostas, mas quero alertar para um caminho, dos tantos possíveis para os problemas sociais. Sim, estes fatos são um problema social, são problemas que surgem na e por causa de um sociedade. Mas vamos as minhas observações.

Desde a abertura democrática, no fim da ditadura militar, iniciamos um processo de polarização política e social. Um pouco antes, no fim dos anos de 1970 o processo de polarização seguia o aspecto religioso. Mas vamos passo a passo.

Na política estamos divididos em dois grupos ou se pertencia ao MDB ou a ARENA. Com o fim da ditadura e a nova constituição de 1988 experimentamos um grande aumento do numero de partidos e naturalmente um pluralidade de ideias. Mas logo eles se dividiram em dois grandes grupos. Governo e oposição e mais recentemente direita e esquerda. Por fim continuaram em dois polos opostos.

Na sociedade a divisão era o "homem do campo" e o da cidade. Não demorou muito e o êxodo rural transformou a realidade do Brasil. A população de periferia cresceu muito e nos dividimos entre ricos e pobres, pessoas normais e favelados, norte e sul. Até pouco tempo se falava em separar o nordeste do Brasil para que cada um ficasse com seu presidente. 

Voltando a pouco mais de cem anos, éramos divididos em escravizados e livres, até a metade do século XX, homens e mulheres não tinham acesso as mesmas oportunidades. E para não seguir em outros longos exemplos quero deixar claro que sempre seguimos divididos de alguma forma. Muitos podem dizer que era uma divisão pacífica, sem violência. Certamente que diz isso estava ou está do lado que domina e faz as regras do jogo político, social e financeiro.

Chegando aos nossos dias esses sentimentos de divisão se aprofundaram e se agravaram. Nos dividimos por gênero, religião, clubes de futebol, cor, preferência política, limitações físicas ou intelectuais, idades, gosto musical, classe social, etc. Sei que podem até dizer que essas diferenças são naturais, e são. Mas as diferenças se transformaram em barreiras, em preconceito, em ódio. E esse ódio chegou a prática, pois quem detêm um ponto de vista ou uma posição qualquer na sociedade, começa a entender de forma distorcida, que apenas sua posição é válida, apenas ele tem o direito a se expressar e a dominas as formas de atuar na sociedade. Quem não é exatamente igual a forma que determinado grupo pensa passa a ser mais do que hostilizado, passa a ser perseguido e agora pior, chega ao ponto de se pensar em eliminá-lo.
Trago para o caso de Suzano essa linha, dentre tantas outras possíveis, de que estamos caminhando para os extremos, para o desejo irracional de eliminar, matar, extinguir tudo aquilo que é diferente de mim. E precisamos caminhar, pensar e praticar o reverso disso. devemos ser mais tolerantes, afáveis, generosos, simpáticos e amáveis com nossos semelhantes, porque, no fundo, somos todos de um mesmo grupo, o humano.      

quarta-feira, 6 de março de 2019

A cultura no carnaval do Brasil e o enredo da Mangueira no desfile do Rio de Janeiro.

A cultura no carnaval do Brasil e o enredo da Mangueira no desfile do Rio de Janeiro.

 Muito comum a banalização daquilo que não nos é importante e ainda mais comum a generalização dos defeitos que não acreditamos em ter. E esses dois momentos ficaram evidentes neste carnaval de 2019. Nosso carnaval, que é um movimento cultural múltiplo, vai além das escolas de samba e trios elétricos, além dos maracatus, dos frevos e dos Bois do Norte do país. O carnaval que também é dos salões de baile até dos retiros espirituais. O carnaval é um momento importante na cultura do Brasil e fechar os olhos para esse fato é tentar desviar a atenção para opiniões pessoais que passam longe do respeito e entendimento que deve haver entre as pessoas. Por outro lado, quem não gosta do carnaval tem, cada dia mais, maiores e diversa opções para não ser incomodado ou afetado pela festa.

O problema acontece quando o não gostar se transforma em ataques raivosos e irracionais. O que recebeu maior destaque, até internacional, foi o twitter do presidente Jair Bolsonaro contendo um vídeo com cenas pornográficas protagonizadas por duas pessoas no alto do que parece ser uma marquise. Sem entrar nas questões políticas do que o presidente postou, quero ressaltar a falta de condições de promover um debate, no mínimo com algum conteúdo, para que a sociedade debata o tema e chegue as suas decisões. Evidente que qualquer comportamento criminoso deve ser repreendido, seja de amigos ou de opositores, mas tentar coibir ou condenar quem pensa e age de forma diferente da que julgamos certo é o caminho para o caos.

 Aproximando o foco do objetivo deste texto, quero chegar a cultura apresentada pelas Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Com origem na década de 1920 o desfile se transformou através dos anos e apresenta enredos (histórias) complexas e, na maioria das vezes, resultado de uma extensa pesquisa histórica e cultural. A descrição das alas, carros alegóricos, fantasias e interpretações, quando lidas pelos apresentadores de rádio e televisão, quase sempre nos revela fatos e personagens da nossa história que, até então desconhecíamos.

 Neste ano de 2019 os desfiles aconteceram nos dias 3 e 4 de março e as escolas desfilaram nesta ordem:

 Império Serrano
Unidos do Viradouro
Acadêmicos do Grande Rio
Acadêmicos do Salgueiro
Beija-Flor de Nilópolis
Imperatriz Leopoldinense
Unidos da Tijuca São Clemente
Unidos de Vila Isabel
Portela
União da Ilha do Governador
Paraíso do Tuiuti
Estação Primeira de Mangueira
Mocidade Independente de Padre Miguel

 Seus enredos trouxeram temas variados, mas quase sempre, frutos de uma intensa pesquisa e debate dentro das escolas. Vou me aprofundar no enredo e na letra do samba apresentado pela escola campeã de 2019. A Estação Primeira de Mangueira. Acredito que o tema, a letra e a apresentação da escola é um perfeito exemplo do quanto de história e cultura podemos encontrar nas diversas demonstrações culturais que levaram o carnaval brasileiro ao nível de ser a maior atração turística do país.

Então vou apresentar a letra do samba e o que posso entender de seu significado. História para ninar gente grande.
Esse é o título da letra da música. E fica claro que os autores estão tentando alertar que existe uma realidade que tenta enganar as pessoas e o verbo “ninar”, fazer dormir os bebês, expressa que os adultos precisam continuar dormindo feito criança e que não acordem para a realidade dos fatos. A realidade que é diferente do que nos conta a história oficial. Agora vamos para os versos.

 “Mangueira, tira a poeira dos porões”
A escola de samba que colocar os fatos de forma limpa, por isso quer tirar a poeira, ela quer mostrar os fatos como eles são, quer tirar eles do porão, do lugar profundo em que foram escondidos e apresenta-los as pessoas.

 “Ô, abre alas pros teus heróis de barracões”
O abre alas é a figura encontrada para dizer que a história está começando a ser contada e que tem muita coisa para ser apresentada, o carro abre alas é sempre o primeiro que entra no desfile. E os heróis de barracões são as pessoas simples, anônimas e de origem pobre que trabalha onde todo o desfile é planejado e montado e eles tem a qualidade de heróis por trabalharem muito e que seria justo seu reconhecimento.

 “Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões”
 O Brasil colocado no plural transmite a intenção de afirmar que nosso povo tem múltipla representação étnica e cultural. Os cantores e compositores Leci Brandão e Jamelão, também são colocados no plural. Pois a origem humilde dos dois representam que os humildes podem encontrar sua representação em artistas iguais em origem, cor, religião e condição social.

 “São verde e rosa, as multidões”
As cores da escola se apresentam como representação do povo, o local onde as pessoa se encontram e se reconhecem como iguais.

 “Brasil, meu nego”
Expressão muito usada na Bahia, mas que já se espalhou por todo o país o “meu nego” que tem uma expressão de carinho quando utilizada popularmente, aqui recebe um segundo significado. A verdade de que o Brasil, é um país formado, na sua maioria, por negros e seus descendentes. Além da grande miscigenação, que é a maior característica do nosso povo.

 “Deixa eu te contar”
O autor empresta sua voz a quem canta o samba e o que parece um pedido para cantar dizer as verdades que estão por chegar, na verdade é um alerta para que o Brasil (seu povo) tenha atenção para uma nova história que será contada.

 “A história que a história não conta”
Por muito tempo a história que foi ensinada nas escolas era a história dos vencedores, das grandes datas e dos grandes nomes. Na primeira metade do século XX uma nova forma de se contar a história passou a ser muito utilizada, era uma escola acadêmica de estudos francesa, chamada Escola dos Annales, nela a história recebeu um tratamento mais profundo, os humildes, camponeses, derrotados, escravizados e esquecidos foram ouvidos pela nova forma de se observar e escrever os fatos do passado. E esse verso caminha nessa novidade e abre a possibilidade de se ver os fatos antigos com novas interpretações.

 “O avesso do mesmo lugar”
 O poema continua nos levando para o entendimento de que: tudo pode ser diferente, tudo pode receber uma nova interpretação e que é verdade em um “lugar”, pode ser interpretado de uma forma completamente inversa.

 “Na luta é que a gente se encontra”
O poeta se coloca na mesma posição do leitor/ouvinte e deixa claro que interpretar os fatos de uma forma diferente não é uma tarefa fácil. Ela requer trabalho, esforço e principalmente luta, pois não se derruba uma dominação sem combate, no mínimo, um combate de ideias.

 “Brasil, meu dengo”
Aqui chegamos ao nível da intimidade, o povo brasileiro já entende e parece querer participar desta nova visão, então é chamado.

 “A Mangueira chegou”
A escola se coloca na posição de condutora desta nova busca pela verdade e se anuncia como tal.

 “Com versos que o livro apagou”
O que foi perdido com o passar do tempo é resgatado pela escola e apresenta esses versos ao Brasil.

 “Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento”
Aprendemos na escola que o Brasil foi descoberto em 22 de abril de 1500, por Pedro Alvares Cabral, mas quando se aprofunda no estudo dos fatos passamos a conhecer uma nova verdade. Primeiro que muitos outros navegadores europeus estiveram por aqui antes de Cabral e o mais importante, aqui já havia um povo, com língua, cultura e vida próprias. Que nada foi descoberto e sim invadido e tomado a força.

 “Tem sangue retinto pisado”
O sangue que recebeu nova cor, repintado ou como é a forma mais forte de se interpretar o sangue misturado e contaminado foi pisado pelos invasores. A expressão retinto também é muito utilizada pelo movimento negro, que se refere como “sangue retinto” aqueles que já receberam alguma mistura com sangues de origem não negra.

“Atrás do herói emoldurado”
O já mencionado herói histórico e colocado em um quadro como grande exemplo tem, atrás dele, muito sangue inocente derramado.

 “Mulheres, tamoios, mulatos”
Sangue de mulheres que resolveram não se dobrar a dominação do homem, sangue dos nativos Tamoios, que viviam na região do norte de São Paulo até o sul do Rio de Janeiro. Os Tamoios foram responsáveis pela maior revolta de nativos brasileiros contra o colonizador português, a famosa “Confederação dos Tamoios” onde nativos impuseram grandes derrotas aos portugueses em solo brasileiro. E os mulatos, filhos de negras com os senhores brancos, viviam no limbo da sociedade.

 “Eu quero um país que não está no retrato”
O desejo do poeta é contar e viver a história destas pessoas descritas no verso anterior e que essa história seja a verdade vivida no Brasil de maioria de descendência negra, nativa e as mulheres, que são maioria da população.

 “Brasil, o teu nome é Dandara”
Dandara foi esposa de um dos maiores símbolos de resistência a escravidão no Brasil, Zumbi. Com ele ela teve três filhos e quando esteve prestes a ser presa e novamente escravizada, se jogou de um penhasco e morreu. Ela se torna um símbolo de resistência tão forte quanto Zumbi. Por isso a letra compara a luta do povo brasileiro ao exemplo da Dandara.

 “E a tua cara é de cariri”
A nação de nativos Cariris viviam no nordeste, em parte da Paraíba e do Ceará e também representa a cara do Brasil em sua diversidade.

 “Não veio do céu”
Aqui já antecipando ao sentido de receber a liberdade, o poeta garante que ela não veio da graça divina.

 “Nem das mãos de Isabel” E que a liberdade dos escravizados no Brasil, também não veio pela simples assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.

 “A liberdade é um dragão no mar de Aracati”
 Um dos mais significativos versos deste poema/samba enredo faz menção a Francisco José do Nascimento, líder jangadeiro na cidade de Aracati no Ceará. Em 1881 João influenciou seus colegas jangadeiros a decidir que a escravidão estava abolida na província do Ceará e que ele patrulharia os mares para manter e garantir a liberdade dos que eram escravizados. Foi um movimento pioneiro no Brasil.

 “Salve os caboclos de julho”
Na última estrofe são reverenciados mais heróis que não receberam o merecido destaque na história oficial do Brasil. Em 2 de julho de 1824 os “caboclos” baianos lutaram pela independência da Bahia, durante o movimento de resistência a declaração de D Pedro I. Sem o apoio militar e a luta dos caboclos da Bahia, a independência do Brasil poderia ter um outro destino.

 “Quem foi de aço nos anos de chumbo”
 Também são destacados os que resistiram ao golpe militar de 1964, os chamados “anos de chumbo” onde os direitos civis foram suspensos por muitos anos.

 “Brasil, chegou a vez”
E caminha para o final de sua exaltação incentivando a todos que pertencem a esse brasil que não está na história oficial, para ouvir e aprender sobre seu passado e buscar um futuro melhor.

 “De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”
 E a melhor forma de mudar a história, saindo de esquecidos para protagonistas é ouvindo as histórias e seguindo o exemplo de várias mulheres. Algumas “Marias” anônimas ou Luiza Mahin, que no início do século XIX foi protagonista de diversos movimentos pela libertação dos escravizados na Bahia ou de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro por defender as causas dos pobres e indefesos ou a revolta dos Malês, também na Bahia, protagonizada por escravizados islâmicos.

 Para encerrar meu texto convoco a todos para uma reflexão. Se não encontrar nesta letra de samba ou em tantas outras, fatos e personagens tão importantes para nossa história e nossa cultura, sugiro ainda mais leitura, ainda mais estudo, ainda mais debate. Pois quando os fatos estão na nossa frente e não conseguimos os ver é sinal de que algo muito ruim está acontecendo.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O NASCIMENTO DO ROCK BRASIL NO FIM DA DITADURA MILITAR. NOSSAS PERDAS, NOSSOS ATRASOS

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL LUIZ REID Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. - FAFIMA COORDENAÇÃO DO CURSO DE GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA BRUNO BOTELHO HORTA O NASCIMENTO DO ROCK BRASIL NO FIM DA DITADURA MILITAR. NOSSAS PERDAS, NOSSOS ATRASOS. Macaé – RJ 2013 BRUNO BOTELHO HORTA O NASCIMENTO DO ROCK BRASIL NO FIM DA DITADURA MILITAR. NOSSAS PERDAS, NOSSOS ATRASOS. Monografia apresentada à FAFIMA como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História. Orientador: Me. Rodolfo Maia. MACAÉ 2013 BRUNO BOTELHO HORTA O NASCIMENTO DO ROCK BRASIL NO FIM DA DITADURA MILITAR. NOSSAS PERDAS, NOSSOS ATRASOS. Trabalho elaborado sob à orientação do Professor e orientador Mestre Rodolfo Maia da Coordenação de História pelo aluno Bruno Botelho Horta, para obtenção do grau de Licenciado em História. Banca: Macaé 2013 Dedicatória. Dedico esse trabalho a meu pai, Paulo Sérgio Horta (em memória). Que com sua generosidade e carinho proporcionou meu acesso ao mundo da música, comprando os meus discos preferidos durante minha adolescência. E a minha mãe, Terezinha Botelho Horta, por sua infinita dedicação a minha educação e liberdade de pensamento. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, a minha família e amigos. Aos músicos, poetas, escritores e artistas inspiradores deste trabalho. Ao meu orientador Mestre Rodolfo Maia e a Deus minha inspiração em todos os momentos. Não posso nem tentar me divertir O tempo inteiro eu tenho que estudar Assim não sei se eu vou conseguir Passar nesse tal de vestibular (Paralamas do Sucesso. Química, em Cinema Mudo, 1983) Resumo. A monografia discute o nascimento do chamado Rock Nacional, Rock Brasil ou BRock, a partir do momento em que este gênero ganha a mídia e atinge o grande público consumidor. Analisando uma parcela da juventude no início da década de 1980 e suas influencias culturais na transição à democracia no fim do período de ditadura militar. O rock manifesta força, na medida em que, ao produzir a ruptura dos padrões musicais anteriores, também rompe com as convenções sociais que o cercam. Apresentando o contexto político e cultural do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos da América. As diferenças do avanço das duas regiões em relação ao Brasil são apresentadas neste trabalho cientifico para demonstrar como a juventude brasileira permaneceu atrasada, por décadas, em relação aos principais centros ocidentais de produção cultural. Apresentando, também, que os consumidores desta cultura roqueira eram diferentes, política, econômica e socialmente entre o Brasil e os outros dois centros. Palavras Chaves: Rock Brasil. Ditadura Militar. Cultura. Juventude. Abstract This work analisis the way of national rock since the moment that this musical type wins the media and hits the big public. Analising a part of the youth in the early 80's and its cultural influences in the democracy transition during the end of Brazilian militar goverment. The Rock shows power in the way that, when it produces a rupture of early musical pattern, also breaks with the social conventions that surrounds it. Presenting the political and cultural context of Brazil, Europe and Uniteds States of America. The difference of this two regions advance from Brazil is presented in this cientific work to demonstrate how brazilian youth stayed to behind for decades in relation to the most important cultural ocidental centers. Also presenting that the consumers of this rock culture were different in a political, economichal and in a social way in Brazil and those other countrys. Sumário: Introdução ............................................................................. 11 O Final da década de 1970 e o início dos 80 no Brasil...........12 A política ................................................................................13 A cultura .................................................................................16 As bandas ...............................................................................18 As rádios ............................................................................... .21 A Televisão ............................................................................24 Os shows ................................................................................25 Os jovens ................................................................................29 Os jovens europeus ................................................................32 A Juventude norte americana..................................................33 O entrelaçamento Brasil, Europa e Estados Unidos ...............35 2 - A abertura política e cultural do governo Figueiredo........36 As medidas de transição..........................................................36 A aproximação com Europa e EUA .......................................40 Os Festivais.............................................................................41 Os Festivais Internacionais ....................................................43 Nasce o Rock Brasil. As primeiras aparições na mídia..........44 Comportamento, estética e discurso........................................47 Um comparativo cultural no início da década de 1980...........48 Artistas nacionais de mídia e suas influências........................50 As gravadoras e a grande mídia..............................................51 O sucesso nas ruas, rádios e televisões...................................53 Conclusão...............................................................................56 Filmografia.............................................................................57 Bibliografia ............................................................................58 Introdução Discutir e problematizar o Rock Brasil pode a principio, parecer um argumento fraco e com poucos valores agregados ao objeto de estudo. Este Rock, que já foi de marginalizado à produto de mídia e indústria milionária, é alvo de muitos questionamentos e, ao mesmo tempo, defendido por críticos, autores e consumidores. Por se tratar de um gênero popular e, muitas das vezes, ligado a rebeldia juvenil, este tema ficou longe dos estudos científicos e raros estudos foram realizados para entender seus mecanismos, suas origens e projetar o seu futuro. Quando se aborta a questão no Brasil, no chamado Rock Brasil, a questão pode parecer ainda mais frágil. Acusado de produto das gravadoras, falta de consistência, músicos ruins e cópia do que acontece no exterior. O Rock Brasil surgiu logo no início dos anos de 1980, não sem possuir um passado em seu próprio país. E transformou uma geração ajudando a consolidar a expressão “Anos 80” na cultura brasileira. Analisando mais profundamente percebemos que a realidade é diferente das primeiras impressões. Na década de 1980 as vendas do rock impulsionam o mercado e os artistas do gênero ganham rápida notoriedade. Os shows de rock se multiplicam e chegam as TVs. As rádios executam o estilo e a cada dia mais se desenvolve o mercado dos vídeos clipes e das TVs a cabo. As novas tecnologias passam a compor um novo mercado de consumo, como vídeo cassete, CDs, Videos Lasers, DVDs e a participação nas mídias de rádio, jornal e televisão, comprovam a importância deste movimento que ajuda a contar a História do final do século XX. De certo observamos o atraso em que esta revolução cultural chega ao Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos o mercado se desenvolve primeiro, com maior tecnologia, maior diversidade, maiores vendas e maior penetração na cultura popular. Colocando limites em nosso tempo de estudo, abordamos o nascimento deste movimento cultural, passando pela base de formação dos artistas e bandas que despontariam nos anos de 1980, apresentamos um panorama dos anos de 1970 e suas influencias musicais e culturais. Ao entrar especificamente na década de 80 apresentamos as bandas e artistas que despontaram e caracterizaram o movimento cultural. Nosso limite fica no primeiro disco de cada um para que a abordagem não se estenda além do necessário para identificar os fatores e condições que facilitaram o nascimento do Rock Brasil. 1 - O Final da década de 1970 e o início dos 80 no Brasil. O governo de João Batista de Oliveira Figueiredo, foi o ultimo do período da ditadura militar. Um fim, que mesmo não anunciado, deu claros sinais de que a abertura política estava se processando e o governo já apontava para a transição do regime militar para o democrático. Reafirmo: não descansarei até estar plenamente assegurado, sem sobressaltos, o gozo de todos os direitos do homem e do cidadão inscritos na Constituição. Esse foi um dos compromissos solenemente assumidos ontem pelo general João Batista Figueiredo, 61 anos, no discurso que pronunciou na cerimônia de transmissão da faixa presidencial, no Palácio do Planalto, depois de empossado no cargo de presidente. "Reafirmo o meu gesto: a mão estendida em conciliação", disse também o novo presidente. E ainda: "Reafirmo: é meu propósito inabalável (...) fazer deste País uma democracia." (Publicado na Folha de São Paulo, sexta-feira, 16 de março de 1979) Figueiredo deu posse ao seu ministério no mesmo dia de sua posse em 15 de março de 1979. Dentro do quadro ministerial estava Petrônio Portela, ministro da justiça, que teve como ordem redigir um decreto colocando fim na censura literária e acelerar a anistia geral. A anistia é publicada na forma da Lei Nº 6.683, de 28 de agosto de 1979. Outro importante fator que marcou a passagem de Petrônio pelo governo Figueiredo foi a volta do pluripartidarismo. Lei nº 6.767, de 20 de Dezembro de 1979. Onde mais do que permitir uma participação democrática, o governo Figueiredo, dividia a oposição enquanto a situação, representada pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional), e a classe dominante permaneciam no mesmo partido, lutando por seus interesses e permanecendo no poder. Ressaltando que o pluripartidarismos não foi tão democrático assim, pois os partidos comunistas continuaram proibidos. 1.1 A política. O ano de 1979 é o ponto de partida desta monografia acadêmica. Defino assim, por ser o ano que João Batista de Oliveira Figueiredo, o presidente Figueiredo, recebe o cargo das mãos de Ernesto Beckmann Geisel, o presidente Geisel. Eleito ainda em 1978 pelo colégio eleitoral em uma disputa indireta contra o também general Euler Bentes Monteiro. Que ironicamente representava a oposição do MDB (Movimento Democrático Brasileiro). O bipartidarismo da época existia justamente para apresentar uma falsa ideia de democracia para o mundo e para a sociedade brasileira, mas os argumentos eram tão frágeis que o partido dito como de oposição termina por apresentar um General para concorrer contra o também General Figueiredo. Figueiredo ganha a eleição indireta por 355 votos, contra 226 de seu oponente e colega de farda. Por mais que se tente justificar que o General Bentes Monteiro representasse uma real oposição ideológica ou que ele iria dividir o grupo dos militares, é inevitável e até simples pensar que qualquer que fosse o vencedor a ditadura militar continuaria e a oposição do MDB continuaria como minoria e ainda tendo um militar na presidência seja qual fosse o resultado. O vice na chapa de Bentes Monteiro era o senador Paulo Brossard, advogado por profissão, que declarou- “Já haveria alguém do outro lado para dizer que não participava daquilo e ao mesmo tempo não se pejava de se aproximar da oposição.” A justificativa de que a candidatura de outro General de uma suposta esquerda iria desestabilizar o exército não se apresenta de forma convincente, pois esse simulacro de eleição só acontecia por permissão dos próprios militares. A verdade é que, das muitas das vezes em que tiveram seus interesses ameaçados, os próprios militares tomavam medidas duras para garantir o poder, como os Atos Institucionais mostraram a força do interesse militar pelo governo do Brasil. Essa velada permissão de um general se apresentar como opositor só ocorreu por um crescente processo de desinteresse militar pelo governo. Mesmo tendo com opositor um colega de farda, Figueiredo assume a presidência em 15 de março de 1979. Prometendo abertura política e democracia ampla para o Brasil. Era a certeza de que os militares não estavam mais interessados em administrar a grande crise econômica que o Brasil viva. O milagre econômico já não existia mais, o Brasil cresceu para os ricos e foi cruel para os pobres. Os países produziam muito, tanto o Brasil quanto o resto do mundo. A Europa já rivalizava em produção com os Estados Unidos, o Japão se tornara uma potência econômica e o mundo passou a produzir mais do que era capaz de consumir. O resultado foi uma crise econômica com produtos encalhados e grandes empresas falindo. Crise ampliada pela OPEPA (Organização dos Países Produtores de Petróleo) e a sua alta imposta aos preços do produto. A conta dessa crise foi paga pelos países do terceiro mundo. Os empréstimos contraídos para realizar o pretenso milagre brasileiro se transformaram em pesados juros que logo transformaram o milagre em descrença e mergulhou o Brasil em uma inflação alta e uma classe trabalhadora esmagada, sem emprego, com baixa escolaridade e completamente desorganizada. Sem sindicatos, sem grupos ou associações de classe. A maior parcela da população em idade produtiva ou entrando no mercado de trabalho sofreu duramente com os reflexos desta crise. Eram os adultos jovens entre 18 e 30 anos, os jovens de 16 a 18 anos e os adolescentes dos 12 aos 16. Cada um destes cidadãos citados, independente de classe, sexo ou naturalidade, sofreram os impactos desta crise. E refletiram isso da forma que estava mais próxima deles. Na cultura. Já que o universo político era bastante limitado. Somente as expressões artísticas poderiam refletir os sentimentos e ideologias destas pessoas. Portanto o fim da década de 1970 apresenta a promessa de democracia total mesmo com um novo presidente militar. Para avaliar o que poderia vir pela frente podemos listar os compromissos afirmados no discurso de posse de Figueiredo: • O compromisso com a revolução de 1964 de garantir uma sociedade livre e democrática. • Sustentar a independência dos poderes. • O gozo de todos os direitos constitucionais. • A convivência pacífica. • Condições dignas de vida. • Que não sobre a poucos o que falta a muitos. • Prioridade a agropecuária, para alimentar o povo. • Combate a inflação • Equilíbrio das contas internacionais. • Remuneração justa. Uma lista de compromissos absolutamente vagos e que toda a sociedade logo constataria a não concretização de políticas voltadas para essas metas. No mesmo dia da posse uma manifestação contra o governo foi realizada no entorno da Cinelândia, no Rio de Janeiro e reprimida com jatos d’água com anilina vermelha pela polícia militar. Os manifestantes reivindicavam com os seguintes dizeres: “O general Figueiredo pode gostar do cheiro de cavalos. Mas nós que estamos com o povo exigimos: eleições livres e diretas em todos os níveis, ampla liberdade de organização, anistia geral e irrestrita, amplas liberdades democráticas.” Os panfletos distribuídos com essa mensagem foram assinados pelos Deputados Federais Délio dos Santos, Edson Khair, Jorge Gama, José Mauricio, Marcelo Cerqueira e Modesto da Silveira. Pelos Deputados Estaduais: Alves de Brito, Francisco Amaral, Heloneida Studart, Jorge Roberto da Silveira, José Eudes, Paulo César Gomes, Raymundo de Oliveira. E pelo Vereador Antônio Carlos. Foram registrados, também, protestos em Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e Viçosa. 1.2 A cultura A cultura é um produto das relações dos homens e também um fator que influência este mesmo homem. Desta forma o homem produz e é produto desta cultura. Ao tempo em que ele mesmo não consegue dominar todos os aspectos desta cultura. Isto significa que dentro de uma mesma sociedade encontram-se diferentes manifestações culturais que influenciam indivíduos ou grupo de indivíduos. Um panorama da cultura de uma sociedade pode ser medido pelo conteúdo que é oferecido para consumo, tanto pago quanto gratuito. Cinema, teatro, shows, festivais e demais manifestações culturais. O conceito de cultura que utilizaremos será o de Clifford Geertz. Onde, utilizando um conceito de Marx Webber, “a cultura é uma teia de significados onde o homem se encontra ligado e esta teia que foi construída por ele próprio”. Para Geertz a análise desta teia é uma concepção pública onde os agentes que iniciam determinados componentes não podem ser identificados tratando-se de atividades espontâneas. “A cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles (os símbolos) podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade” (Geertz, Clifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 1973, pg. 24) O aspecto juvenil e urbano da cultura se destaca no terceiro quartel do século XX. Com a base da década de 60 e avançando pelos anos 70 com seu auge na década de 80. O pós guerra transformou a sociedade, dando a ela características consumistas devido ao rápido desenvolvimento industrial e populacional. Maiores oportunidades de escolarização, aumento da renda, e ampliação das opções de lazer com as novas tecnologias de TV, rádio, shows e cinema proporcionou aos jovens maiores oportunidades de socialização dentro de sua faixa de idade e consequentemente maior tempo dedicado a essas relações. A cultura juvenil encontra no Rock N Roll uma forma de aglutinar diversos jovens com ao menos um interesse comum, a música. O maior símbolo dessa ‘nova cultura juvenil’ é o rock’n’roll, que aparece como uma música delimitada etariamente, especificamente juvenil, como uma ‘linguagem internacional da juventude’, que acompanha e expressa todas essas novas atividades de lazer, assim como o comportamento explosivo da juventude (ABRAMO, 1994, p. 30). Foi a cantora Rita Lee (Rita Lee Jones de Carvalho) já com seus 32 anos de idade que em 1979 coloca entre as músicas mais executadas do Brasil a canção “Mania de Você” composição dela e do marido e guitarrista Roberto de Carvalho (Roberto Zenóbio Affonso de Carvalho). Curiosamente Roberto é neto de Euclides Zenóbio da Costa, ministro da Guerra de Getúlio Vargas durante o governo de 1954. Essa canção se destaca entre as mais tocadas do ano e por ser a única com características estéticas, artísticas e composicionais que mais se aproximam da cultura jovem da época. Tanto em sua letra como em sua harmonia musical. Quando no mesmo ano encontramos nomes como Elis Regina, Maria Bethânia, Simone, Roberto Carlos, Bete Carvalho e Caetano Veloso. Que pouco representava para os jovens desta época. A referência musical destes jovens eram os artistas internacionais com propostas mais modernas e que agradavam a juventude brasileira. Tais como: Dire Straits e seu primeiro sucesso Sultans Of Swing, Supretramp com The Logical Song, Rod Stewart com Do YouThink I'm Sexy? Essas músicas internacionais traziam letras e propostas sonoras se aproximavam mais da cultura jovem do que os artistas nacionais. A juventude brasileira não possuía acesso ao nível superior da educação de forma democrática. Poucos deles conseguiam chegar às faculdades e universidades. O número de inscritos em exames vestibulares baixou de 1,8 milhões em 1980 para 1,5 milhões em 1985, retornando a 1,8 milhões em 1989. O número total de vagas teve um crescimento medíocre e saltou de 404.814 em 1980 para 466.794 em 1989 (INEP, 1998). O Brasil vivia um momento de crise econômica onde trabalhar era fundamental. Teatro, cinema e shows eram eventos da pequena classe alta ou de parte da classe média. Salvo por pequenos grupos de resistência cultural no teatro como os autores e diretores Gerald Thomas, Cacá Rosset, Miguel Falabella, Vicente Pereira, Maria Adelaide Amaral, Flávio de Souza, Alcides Nogueira, Naum Alves de Souza e Mauro Rasi. No cinema a Empresa Brasileira de Filmes, (EMBRAFILMES) era a responsável pelas produções nacionais, criada em 1969 teve seu auge durante os anos de 1970, mas chega aos anos 80 já em processo de desmonte, principalmente no interior, onde a televisão promove uma concorrência e obtém a preferência da população. Como contribuição cultural deixou filmes como: Eles Não Usam Black-tie (1981), de Leon Hirszman, Pixote, A Lei do Mais Fraco (1981), O Beijo da Mulher Aranha (1985) de Hector Babenco, Memórias do Cárcere (1983) filme de Nelson Pereira dos Santos, Eu te Amo e Eu Sei que Vou te Amar (1986), do cineasta Arnaldo Jabor. A censura deixou o cinema, o teatro e a música um pouco mais livres, enquanto voltava suas políticas para a televisão. Meio de comunicação que já superava o rádio e influenciava milhões de pessoas. 1.3 As bandas. Afirmar que o Rock Brasil não produziu na década de 1970 pode parecer exagerado, pois a produção existiu, apenas não alcançou a grande mídia. Bandas como O Peso, Casa das Máquinas, Made in Brazil, O Terço, Mutantes e Vínama produziam suas músicas, faziam shows e alguns até gravaram discos. O Terço é um perfeito exemplo de que a produção de discos não significava sucesso de público ou de mídia. A banda lançou seis discos na década e o sucesso comercial nunca aconteceu. A banda contribuiria na década seguinte com os integrantes Flavio Venturine que formaria o 14 Bis e Vinicius Cantuária com participação discreta no Rock Brasil dos anos de 1980. A década de 1970 não foi uma década perdida para o Rock Brasil, mesmo dominada por artistas da MPB e da Tropicália, os futuros integrantes das bandas que despontariam na década seguinte estavam produzindo, compondo e ensaiando suas músicas. Os nomes consagrados na mídia como Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Gonzaguinha, João Bosco, Roberto Carlos, Ivan Lins, dentre outros, sufocavam uma geração que se formava. O passar dos anos deixou algum espaço para algumas novidades no cenário da música jovem. Bandas como A Cor do Som ou 14 Bis apresentam uma nova proposta, mas muito mais ligada ao fim de um período forte da MPB, do que um renovador movimento na música brasileira. A renovação só aconteceria de fato nos anos de 1982 e 1983, com o lançamento comercial dos discos da Blitz, Barão Vermelho, Lulu Santos, Paralamas do Sucesso, Camisa de Vênus e Lobão. A Blitz faz sua estréia nos palcos no Bar Caribe no Rio de Janeiro em 21 de fevereiro de 1981, ressaltando que a banda ainda não possuía as duas vocalistas. A formação clássica da banda era: Evandro Mesquita (vocal e guitarra), Ricardo Barreto (guitarra), Antonio Pedro Fortuna (contrabaixo), Willian Forghieri (teclados), Márcia Bulcão (vocais), Fernanda Abreu (vocais) e Juba (bateria) Apresentaram-se também no Noites Cariocas e no Circo Voador, ainda montado na Praia do Arpoador. O que destacava a banda das demais era a forma teatral de apresentação e a distribuição de camisetas, bótons e das letras das músicas para o público. Em julho de 1982 a banda entra nos estúdios da EMI Odeon para gravar seu primeiro compacto, após o aval do diretor da Rádio Cidade FM – RJ, Cléber Pereira. O compacto vende 700 mil cópias. Em novembro do mesmo ano o primeiro disco é lançado e a música “Você Não Soube Me Amar” entra para a trilha sonora da novela “Sol de Verão” da rede Globo em 1982. O Barão Vermelho era formado por Cazuza (vocal), Roberto Frejat (guitarra), Dé (contrabaixo), Maurício Barros (teclados) e Guto (bateria). Em 1981 a banda ensaiava sem maiores objetivos até que Cazuza, filho do presidente da Som Livre, consegue gravar uma fita demo nas horas vagas do estúdio da gravadora e apresentar esse material a Nelson Motta dono da casa noturna Noites Cariocas. A banda almeja abrir o show da cantora Sandra de Sá. A gravação caiu no gosto do produtor Ezequiel Neves que convenceu o pai de Cazuza João Araújo a lançar, em setembro de 1982, o primeiro disco da banda. Lulu Santos já atuava como músico na banda Vímana nos anos de 1970. Em 1979 já escrevia sobre música na revista Som Três e trabalhava na gravadora “Som Livre” como selecionador de músicas para serem indicadas a participar das trilhas sonoras das novelas. Ainda em 1980, com o nome de Luiz Maurício, chegou a lançar um compacto e colocar a música “Melô do Amor” na trilha sonora da novela “Plumas & Paetês”, mas devido a ausência de repercussão do seu trabalho foi demitido da gravadora Som Livre e o disco que já estava pronto engavetado pela Polydor. Em 1982, após uma parceria de letras com Nelson Motta, lança seu primeiro disco. A condição para que o lançamento do disco era a regravação da música “De repente Califórnia”, que estava na trilha sonora do filme “Menino do Rio”, anteriormente interpretada por Ricardo Graça Mello. Os Paralamas do Sucesso formado por Herbert Vianna (vocal e guitarra), Bi Ribeiro (contrabaixo) e João Barone (bateria). A primeira apresentação do trio foi durante os intervalos de um festival musical na Universidade Rural do Rio de Janeiro em 1981. A estréia oficial da banda nos palcos foi em 30 de novembro de 1982 no bar Western Club, no Humaitá, RJ. O irmão de Herbert Vianna, Hermano Vianna, era jornalista da revista Pipoca Moderna e aproximava sua relação com Luiz Antonio de Mello, diretor da Rádio Fluminense FM, pelo gosto musical e conhecimento sobre o mundo da música. Hermano apresenta a fita Demo dos Paralamas para Luiz, e logo é executada na rádio com grande sucesso. E logo depois de abrir um show do Lulu Santos no Circo Voador a banda fecha contrato com a EMI, onde permanecem até o dia de hoje. Camisa de Vênus: Marcelo Nova (vocal), Karl Hummel (guitarra), Gustavo Mullen (guitarra), Robério Santana (contrabaixo) e Aldo Machado (bateria). Banda que foge ao eixo Rio – São Paulo e causa espanto com o nome escolhido. A resposta de público foi imediata com shows lotados. Após passar pelo circuito de bares de Salvador, a banda grava seu primeiro compacto por uma gravadora de música sertaneja a Fermata. Vendem 7 mil cópias que pode ser considerada uma boa vendagem para o momento e o lugar. Logo após a gravação do primeiro disco pela Som Livre a banda foi pressionada a mudar de nome. Coma recusa a contrato foi quebrado. Ainda em São Paulo e passando por dificuldades financeiras a banda assina contrato com a RGE e a música “Eu não matei Joana D’Arc” Leva o disco a vender 100 mil cópias. Lobão ou João Luiz Woerdenbarg Filho começou sua carreira ainda nos anos de 1970 com o Vímana, mas circulou em bandas como Blitz, Gang 90 e artistas como Marina, Luiz Melodia e Zé Ramalho. Em 1982 grava, como baterista, o primeiro compacto da Blitz, e após a banda ser capa da revista Isto É, rompe com eles e com 10 músicas já gravadas procura as gravadoras. Um ano depois ele lançaria o disco “Cena de Cinema” pela RCA – Victor. 1.4 As rádios O rádio, que possui uma grande história no Brasil, passa por diversas transformações com o passar dos anos. Desde a primeira mudança quando passa a transmitir anúncios comerciais, passando pelos programas de auditórios e as radio novelas. É na década de 1970 que o rádio tem um novo direcionamento no Brasil. Em meados dos anos 1970, as emissoras passaram a identificar-se com determinadas faixas sócio –econômicas - culturais, procurando dirigir-se a ela e buscando sua linguagem nos próprios padrões das classes que desejavam atingir, surge a segmentação do rádio, cada emissora passa a prestar serviços para um determinado nicho de ouvintes. (ORTRIWANO, 1985: 24). O radio FM no Brasil ganha importância com a inauguração da Radio Cidade no Rio de Janeiro em primeiro de maio de 1977. Já nos anos 80 a rádio ganha destaque entre os jovens e segundo o seu diretor musical, Alberto Carlos de Carvalho, a programação da rádio era montada de acordo com as listas de mais tocadas da revista Billboard e Cash Box americanas. A emissora ganhou o nome de Rádio Cidade inspirado na Radio City of America, a RCA dos EUA. Ocupando a frequencia de 102,9 MHz do Rio de Janeiro. Seu perfil era pop, um perfil considerado novo para a época. As vinhetas, gravadas nos EUA, chamavam atenção por sua linguagem moderna e pop. Os arranjos lembravam o Earth Wind & Fire de Maurice White e a Love Unlimited Orchestra de Barry White. Pode-se identificar claramente que, mais uma vez, iniciávamos um movimento cultural na década de 1980 copiando modelos internacionais. Foi na Radio Cidade que os locutores informais atuaram pela primeira vez. Utilizando bom humor e linguagem jovem eles criaram um novo padrão de FM para o Brasil. As rádios adotaram este perfil de comunicação. Transamérica e Jovem Pan são os exemplos que podemos citar sem ter que se estender por uma longa lista de rádios e cidades. A Rádio Cidade priorizava a dance music, mas o pop rock era executado em um sucesso do Peter Frampton, ou os grupos como Eagles ou America. Não fosse nessas condições, o rock não entrava na Cidade. A mudança de paradigma acontece em 1 de março de 1982 quando a Fluminense FM entra no ar, na cidade de Niterói e transmitindo para todo o grande Rio de Janeiro. A diferença da Fluminense FM para as demais rádios jovens era sua proposta de não apenas tocar as bandas de rock, mas apresentar uma nova locução, nova linguagem, nova programação, filosofia e mentalidade. Foi a rádio que popularizou entre as bandas de rock a conhecida “fita demo” ou demonstração. Onde os artistas que almejavam reconhecimento de público e contratos com gravadoras, registravam suas músicas de forma caseira ou em pequenos estúdios e distribuíam em shows, eventos, gravadoras e, com a Fluminense FM, nas rádios. Aqui transcrevemos o início das transmissões da Fluminense FM. “Fluminense FM seis horas. A ousadia, a ansiedade, a busca incessante das coisas novas e criativas impuseram que o rumo das FMs cariocas sofresse alterações. Profundas e revolucionárias alterações. A rádio Fluminense FM stereo é uma prova palpável desta nova mudança. Agora nós estamos entrando no ar com a brancura da ousadia, o calor da criatividade, a independência audaz e faminta dos tempos modernos. A nova rádio Fluminense FM é mais uma das 16 FMs do Rio. Mas certamente será uma rádio absolutamente especial. A partir de agora você terá contato com os sons que marcaram época, com sons que você nunca ouviu, com o absurdo, a inteligência, a agressividade, e a sensibilidade dos grandes criadores da história musical do mundo que aqui na Fluminense FM terão aterrissagem forçada. A Fluminense FM terá locução exclusivamente feminina, porque acredita na força e na ternura da mulher como elemento inovador na sociedade de hoje. Nós da Fluminense FM esperamos que você possa não apenas ouvir, mas sentir, sentir fundo a nova Rádio Fluminense FM Stereo. Livre, ousada, criativa e independente.” Luiz Antonio Mello, idealizador, diretor e coordenador de programação declarava que se uma música estava no top 100 da Billboard, ela estava automaticamente fora da programação da rádio. Outra determinação inovadora para os padrões brasileiros foi a proibição de uma mesma música ser executa mais de uma vez no mesmo dia. Logo a emissora encontrava dificuldades para executar músicas nacionais. Devido a um percentual mínimo de execução nas rádios. Ao menos 25% das músicas deveriam ser brasileiras e no horário das 20:00 as 22:00 hs o percentual subia para 50%. Para solucionar essa questão a rádio começou a receber fitas K7 de bandas brasileiras que ainda não haviam lançado disco por grandes gravadoras. Foi a oportunidade que o rock brasileiro esperava para ocupar seu espaço na mídia. "Você Não Soube Me Amar" – Blitz: O primeiro registro desta música foi feito de maneira bastante caseira no Circo Voador e tocado pela primeira vez na rádio Fluminense. Em poucas semanas, já era um sucesso na zona sul carioca e se transformou num verdadeiro marco do rock nacional dos anos 80. Foi realmente um divisor de águas. (Guilherme Bryan, jornalista e escritor do livro "Quem tem um sonho não dança", 2005). O Barão Vermelho experimentou momentos de muita expectativa em frustração em relação a execução de suas músicas nas rádios. Depois de dois discos lançados Barão Vermelho (1982) e Barão vermelho 2 (1983), a banda não conseguiu que as rádios tocassem suas músicas, apenas quando Ney Matogrosso regravou a música do segundo disco “Pro Dia Nascer Feliz” é que a banda foi reconhecida pela mídia e começou a ter suas músicas tocadas nas rádios. Lulu Santos conseguiu boa execução nas rádios só depois de um grande fracasso. Ainda com o nome de Luiz Maurício, lançou o compacto com a música “Melô do Amor” em 1980, mas a repercussão foi zero. Em 1981, já com o nome de Lulu Santos, lança o compacto “Tesouros da Juventude” em parceria com o jornalista Nelson Motta e conseguiu grande sucesso comercial nas rádios. E ainda chegaria a trilha sonora da novela “O Amor é Nosso”. Os Paralamas do Sucesso chegam a rádio Fluminense FM no Rio de Janeiro com a fita de Demo contendo três música. Entre estas estava “Vital e Sua Moto” que tem boa aceitação no verão de 1983, levando a banda a abrir um show no Circo Voador para Lulu Santos e logo depois assinarem contrato com a EMI. Maiores problemas enfrentaram os integrantes a banda Camisa de Vênus para conseguir tocar nas rádios. Em 1983 a banda assina contrato com a Som Livre, mas a direção da gravadora exige que o nome seja mudado. Marcelo Nova, vocalista da banda, sugere o nome “Couro de Pica”. A banda é expulsa da gravadora e só assina novo contrato em 1985 com a RGE. O Compacto de “Eu não matei Joana d’Arc” estoura nas rádios e a banda vende mais de 100 mil cópias do disco. Lobão chega às rádios de forma inusitada e autêntica. Recém saído da Blitz ele chega aos estúdios da Rádio Fluminense FM, em Niterói, com a fita de rolo inteira de seu disco inédito. Era junho de 1982 e após uma rápida audição o disco foi tocado inteiro na rádio, antes mesmo de chegar às lojas com o nome “Cena de Cinema”. 1.5 – A Televisão Podemos afirmar que um artista alcança um ponto importante na sua carreira quando ele começa a fazer apresentações na televisão. É nesse momento que as vendas de seus discos crescem e o numero de shows aumenta. O rock brasileiro pouco chegava até a televisão nos anos de 1960 e 1970. Um pouco com Roberto Carlos e um pouco com os Mutantes. A grande mudança acontece nos anos de 1980. O rock brasileiro chega a mídia televisiva de duas formas. A primeira utilizando a estrutura de programas já estabelecidos e a outra criando novos espaços de veiculação. Trataremos de um exemplo de cada caso com o Cassino do Chacrinha e o programa Fabrica do Som. Em Março de 1982, Chacrinha volta para a TV Globo e o primeiro registro que encontramos de um artista do rock brasileiro é o que destacamos abaixo. (Folha de são Paulo 17-07-1982) Neste retorno que durou até 1988 o programa atingiu várias vezes os 65 pontos de audiência (0 – 100). Antes deste retorno a Rede Globo, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, apresentava dois programas na TV Bandeirantes. A Buzina do Chacrinha e a Discoteca do Chacrinha. Já na Globo esses dois programas foram condensados no novo programa Cassino do Chacrinha. Ao mesmo tempo a TV cultura de SP abria espaço pra um programa de linguagem jovem e utilizando o rock como atração, era o Fabrica do Som, apresentando bandas nacionais tocando ao vivo. Foi ao ar pela primeira vez em 12 de março de 1982 mesmo ano de lançamento do primeiro disco da Blitz, foi exibido pela Tv Cultura de São Paulo e contava com o apoio do SESC Pompéia – SP. Apresentado por Tadeu Jungle, o programa tinha como objetivo apresentar bandas novas ou independentes. O Fábrica do Som foi escolhido Melhor Músical pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) em 1982. Na platéia encontravam-se jovens de todas as áreas da cidade e até de outros estados, com um público estimado em duas mil pessoas. Exibido nas tardes de sábado o programa apresentava as bandas e artistas sem qualquer sentido de competição ou concurso entre elas, o objetivo era promover e incentivar as novas tendências musicais. O apresentador Tadeu Jungle em entrevista a SonharTV declarou que o programa não alcançava o Brasil inteiro. Apenas São Paulo, Porto Alegre e Brasília. Quando foi convidado para apresentar o programa ele logo recusou as tradicionais e caretas fichas de informação que os apresentadores sempre carregavam. Nas primeiras gravações ele dividia o programa com outra apresentadora, mas ao final dos programas ele sempre saía deprimido e insatisfeito. E a grande mudança aconteceu quando percebeu que entre uma mudança de banda e outra a platéia ficava por quinze ou vinte minutos sem algo interessante acontecendo. Foi então que Tadeu começou a entreter o público neste intervalo, sem roteiro e de forma espontânea ele cria uma nova linguagem que logo passa a ser a mesma durante todo o programa. O programa tinha partes musicais, revelações de novos talentos que nem era tão interessantes, ele tinha que mostrar os novos grupos como: Titãs, Barão, etc. Que fechavam o programa e estavam ali querendo aparecer, que é muito interessante. Mas a grande força do programa é que é muito lembrado pela participação do público, o público participava, era o público dentro do palco. (...) era uma época, 1983, 1984, em que as pessoas queriam muito falar e as pessoas falavam. (Tadeu Julgle em entrevista para SonharTV) 1.6 – Os shows Folha de São Paulo 13-05-1982 Folha de São Paulo 08-10-82. Folha de São Paulo 10-12-82 Analisando as publicações acima da agenda cultural da Folha de São Paulo é fácil observar a rápida projeção que o grupo Ultraje a Rigor conseguiu em apenas 5 meses. Passando de uma banda de baile que tocava versões para músicas internacionais, por uma fase de identificação com um movimento musical (New Wave), até chegar ao lançamento de um disco próprio. Mas os shows eram pequenos e não havia um circuito definido para as apresentações. O espaço improvisado era o das danceterias que serviram de palco para as bandas nacionais. Madame Satã (SP), Napalm (SP),Radar Tantã (SP), Noites Cariocas (RJ), Mamão com Açúcar (RJ) e o Circo Voador (RJ). A danceteria Napalm, inaugurada em 28 de julho de 1982, foi a primeira a oferecer as bandas do Rock Brasil estrutura suficiente para que as apresentações obtivessem uma condição profissional para apresentar suas músicas. Foi nesta danceteria com palco e telão que os jovens de São Paulo. Conheceram bandas de outros estados, como a Plebe Rude e Legião Urbana. E aproximaram-se dos artistas locais como Ultraje a Rigor e Titãs. O dono da Napalm, o empresário Ricardo Lobo, adquiriu na Europa e nos EUA a experiência para, no Brasil, reproduzir as vivências que teve em casas noturnas como o CBGB (Nova Iorque). Em declaração no documentário “NAPALM: O som da cidade industrial” afirma que a idéia era fazer um espaço onde novas bandas e novos movimentos pudessem aparecer e florescer. O espaço criado pelas danceterias, primeiro em São Paulo e depois no Rio de Janeiro foi fundamental para profissionalizar as bandas do Rock Brasil. Primeiro por estabelecer um circuito de locais para apresentações destas bandas, depois por pagar cachês para as apresentações e ainda por permitir que bandas de outros estados se apresentassem para um novo público. Ainda antes das danceterias as bandas se apresentavam em bares pelas cidades. Como o Espaço Retrô, Pierrô Lunar, Cais e Val Improviso em São Paulo. E Calipso, Western Club, Caribe e Let it Be no Rio de Janeiro. As danceterias ou casas noturnas tiveram como percussora a casa Noites Cariocas inaugurada em 1980 no alto do Morro da Urca no Rio de Janeiro. Depois do já citado Napalm, São Paulo contava com várias danceterias como o Rose Bom Bom, inaugurado em 1983, o Radar Tan Tan e Rádio Clube de 1984 e ainda o Madame Satã e a Carbono 14. O Rio de Janeiro só experimentaria a força das danceterias um pouco depois. Em 1984 com a Mamute e a Mistura Fina. Das danceterias o Rock Brasil ampliou seu alcance e chegou aos espaços culturais como a Lira Paulistana e o SESC em São Paulo e o Circo Voador no Rio de Janeiro. Estes espaços culturais não estavam diretamente ligados ao rock e sim a todo tipo de arte. Foi a força do rock cantado em português que abriu estes espaços, atraiu a mídia impressa, as rádios e as televisões. Multiplicando o público e criando uma nova cultura que ligava estes elementos e os elementos as pessoas. Esta é a teia citada por Geertz em nossa fundamentação. O primeiro show da Blitz acontece no Bar Caribe em 1981 onde a banda não possuía ao menos um nome definitivo, foi em um telefonema que Lobão recebeu da produção do show que o nome saiu. Ainda que no improviso o nome se estabeleceu. Nesta primeira apresentação o grupo estava longe de ter o consagrado formato da banda. Com um vocalista masculino e duas vocalistas. Neste show a banda foi ao palco com Arnaldo Brandão (Hanoi Hanoi), no baixo, Lobão na bateria, Guto na guitarra, Ricardo Barreto na guitarra e Evandro Mesquita na voz. No livro Dez Anos a Mil do próprio Lobão, ele afirma que o baixista do Queen, John Deacon, estava na platéia. Mas ao contrário do que se pode imaginar este show não coloca a banda em evidência. O show acontece, mas não existe uma sequencia de apresentações. Os músicos se dispersam e apenas meses mais tarde Evandro convida Márcia e Fernanda para entrarem para o grupo. Uma formação estável se monta. O Barão vermelho faz seu primeiro show em um condomínio da Barra da Tijuca na Cidade do Rio, em Janeiro de 1982. Estrutura improvisada e sem cobrar entrada a banda já possuía repertório pronto do disco que seria gravado meses depois. Os Paralamas do Sucesso no início de 1981 ainda possuíam o baterista Vital na formação e foram desclassificados em um festival de música na Universidade Rural do Rio de Janeiro em Seropédica – RJ. Era a primeira oportunidade de tocar ao vivo que estava escapando pelas mãos da banda. Mas Bi Ribeiro utilizando seus contatos no diretório acadêmico conseguiu que sua banda se apresentasse no intervalo do festival. Entre as apresentações das músicas concorrentes e a deliberação dos jurados. Depois de tudo confirmado o baterista desaparece, quem o substitui é João Barone que se apresenta ao vivo neste festival e nunca mais deixara a banda. Diferente do ocorrido com a Blitz, essa apresentação dá um grande impulso na banda. Que entra em uma sequencia de shows durante todo o ano. No fim de 1981 a banda reserva duas datas no Western Club no bairro do Humaitá. Pela primeira vez cobrando ingressos, a banda estréia profissionalmente nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro (terça e quarta feira). 1.7 Os jovens A juventude sempre foi uma fase de contestação e de luta por conquistas pessoais e pelo grupo em que o jovem atua em conjunto com outros jovens. É preciso reconhecer que, histórica e socialmente, a juventude tem sido considerada como fase de vida marcada por uma certa instabilidade associada a determinados “problemas sociais”, mas o modo de apreensão de tais problemas também muda (Sposito, 1997, 2002). Desde os anos de 1960 a juventude é considerada um “problema social” pelo governo brasileiro. A característica contestadora dos jovens recebia o enfrentamento das ações governamentais. Primeiro a repressão as ações que confrontavam com a ordem social imposta pelo golpe militar de 1964 e depois pela necessidade de assistir socialmente essa camada da população. Mas o que caracterizou as políticas para os jovens da segunda metade da década de 1960, a década de 70 e a primeira metade da década de 1980, foram políticas repressivas e castradoras que o regime militar acreditava ser o melhor para a juventude brasileira. Receber a assistência do estado militar brasileiro era ser cerceado, era ter seus hábitos controlados e seu futuro moldado pelo que o governo apresenta como opção. A carência de vagas em universidades que transformava o vestibular na única forma de acesso ao nível superior, a crise econômica que as famílias enfrentavam e a repressão cultural imposta pelo governo, não deixava opções para a grande maioria dos jovens que entravam no mercado de trabalho com salários baixos, poucas possibilidades de ascensão social e quase nenhuma opção de lazer. Assim, se nos anos 1960 a juventude era um “problema” na medida em que podia ser definida como protagonista de uma crise de valores e de um conflito de gerações essencialmente situado sobre o terreno dos comportamentos éticos e culturais, a partir da década de 1970 os “problemas” de emprego e de entrada na vida ativa tomaram progressivamente a dianteira nos estudos sobre a juventude, quase a transformando em categoria econômica (Pais, 1993; Abramo, 1997). Em 1965 o rock e a juventude se encontram na televisão brasileira. Wanderléia, Roberto e Erasmo Carlos apresentam na Tv Record um programa chamado “Jovem Guarda”. Com o tema voltado para o rock e utilizando a linguajem dos jovens o programa se torna um grande sucesso e se transforma em um ponto de referência para a nova cultura, agora de massa no Brasil. Roupas, gírias e penteados eram copiados pelos jovens assim que eram exibidos no programa. O que de início era chamado no Brasil como Iê-Iê-Iê, devido a música dos Beatles chamada She Loves You, que no refrão dizia yeah – yeah – yeah. Transformou-se no Rock n Roll para o jovem brasileiro. O programa termina em 1968, mas acrescenta na cultura brasileira nomes que consolidariam o estilo. A contestação característica do rock nos EUA e na Europa não encontra força no jovem brasileiro. Com temas ligados apenas ao namoro e a viver de fora mais livre, o jovem roqueiro brasileiro jamais contestou o governo e suas estruturas. Principalmente por ser um movimento experimentado pela classe média e classe alta. Diferente dos EUA e Europa, onde o rock surge nas camadas mais baixas da sociedade. Mesmo assim algumas transformações culturais aconteceram como a aceitação da mini saia, o namoro de forma mais aberta e a própria aceitação do ritmo pela sociedade em geral. Durante a década de 1960 e 1970 o jovem brasileiro experimentou o ápice do rock e sua progressiva queda. A ascensão da bossa nova, os festivais de MPB e a politização dos jovens, principalmente dos universitários, encontraram nas letras e posturas da bossa nova eco nas suas reivindicações e lutas contra a ditadura militar brasileira. O rock que no Brasil ficou associado a futilidades juvenis fica no esquecimento por quase duas décadas. Sustentado por poucos artistas e longe da mídia o estilo sobrevive apenas com o nome e a influência de artistas internacionais. O fim dos anos de 1960 e início de 1970 receberam a influência da contracultura, que foi um movimento de negação dos jovens a cultura industrial e consumista em que o mundo caminhava. No Brasil a contracultura ficou representada pelo tropicalismo que tentou romper as barreiras impostas pela bossa nova e pela MPB. Os artistas que participaram deste movimento em poucos momentos conseguiram algum destaque na mídia. O reconhecimento da importância destes trabalhos só aconteceu mais de vinte anos depois. O tropicalismo no Brasil misturou o rock psicodélico, com a música regional brasileira, principalmente a nordestina, e a MPB. Mesmo com discos gravados e participações em festivais, durante o período citado, jamais conquistou o grande público. Já nos anos de 1980 o jovem brasileiro encontra um país que sofre os efeitos do fim do “milagre econômico”. A inflação cresce a cada dia. O desemprego afeta diretamente o jovem, que não tem acesso ao nível superior e desta forma encontra grande concorrência para ocupar as vagas de nível médio e fundamental no mercado de trabalho. E a política ainda é confusa com diversas siglas surgindo mais ainda frágeis e sem credibilidade junto a população. Em recente artigo publicado o antropólogo e escritor brasileiro Darcy Ribeiro fez uma reflexão sobre o momento do jovem brasileiro no início dos anos de 1980 e podemos destacar “teme-se, mesmo, que ela [a ditadura militar] tenha quebrado na juventude de classe média o nervo ético e o sentimento cívico, levando enorme parcela dela ao desbunde e à apatia.” Uma parcela destes jovens resistiu ao desbunde e a apatia citada por Darcy Ribeiro e como exemplo disto o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone fez parte da resistência cultural Da imposição do governo e massificação da mídia. O grupo se formou e iniciou suas apresentações no Rio de Janeiro e grandes protagonistas do futuro Rock Brasil estavam entre eles. Perfeito Fortuna, Evandro Mesquita e Patrícia Travassos estavam ao lado de Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé e Hamilton Vaz Pereira. O que caracterizava as apresentações do grupo era a linguagem coloquial, os temas do cotidiano dos jovens e a uma interpretação despojada e quase sempre irreverente. O grupo consegue viajar pelo Brasil com uma apresentação chamada “Os Asdrúbals” experiência que ajudou a amadurecer o grupo, que no retorno ao Rio de Janeiro inicia uma oficina de teatro na Escola de Artes Visuais no Parque Laje. Nesta escola participaram nomes como Léo Jaime, Cazuza e Bebel Gilberto. O Grupo além de proporcionar que a Blitz tivesse o início de sua carreira foi responsável, também, por outro fator importante para o surgimento do Rock Brasil em sua versão carioca. Perfeito Fortuna, foi a luta e com seus contatos na prefeitura do Rio de Janeiro, conseguiu a montagem de um palco democrático para seus amigos e alunos do Parque Lage. Assim em 15 de janeiro de 1982 foi inaugurado o Circo Voador, na praia do Arpoador, entre Copacabana e Ipanema. Espaço dedicado a apresentações de teatro, poesia, circo e música. Por lá passaram Caetano Veloso e Chico Buarque, mas principalmente nomes novos como Blitz, João Penca e os Miquinhos Amestrados, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho. Toda essa movimentação cultural é retratada pela mídia e chega a todo o Brasil através de jornais e revistas como Pipoca Moderna, Ilustrada, Som Três, Jornal do Brasil e de jornalistas como Ana Maria Bahiana, José Emilio Rondeau, Luiz Antonio Mello, Jamari França e Arthur Dapieve. Desta forma a cultura se difunde como a teia de significados citada por Geertz. 1.8 Os jovens europeus Na frança os universitários transformam Mao Tse Tung e Karl Marx em ídolos pop. Os movimentos sociais promovidos por esses jovens universitários franceses deixou o campus das universidades e ganhou as ruas da cidade. Chegado ao ponto máximo em 10 de maio de 1968 quando mais de vinte mil estudantes entraram em confronto com a polícia de Paris. O protesto iniciado pelos estudantes agregou em cerca de três semanas todas as demais forças produtivas da França, que resulta em uma paralisação nacional com mais de dez milhões de trabalhadores protestando contra a exploração do modelo fordista e exigindo práticas socialistas nas relações de trabalho. Justificando suas ações nos pensamentos de Jean-Paul Sartre, Herbert Marcuse e Frantz Fanon, consideravam a violência emancipatória se ela fosse dirigida as forças opressoras. Desta forma a juventude francesa buscava um embasamento teórico para seus protestos. Foi desta juventude francesa que surgiram slogans que alcançaram o mundo inteiro como “É proibido proibir” e “Eu trato meus desejos como realidade, pois acredito na realidade de meus desejos”. Os protestos foram transmitidos pela televisão para todo o mundo, especialmente no mundo ocidental e as idéias desta nova juventude se espalha pela Europa. O estilo debochado, mas incisivo dos jovens, ofenderam profundamente os governantes europeus, mas a essa altura os jovens já eram maioria. A Inglaterra foi invadida pelos jovens em três anos consecutivos, 1968, 1969, 1970 durante o festival “Ilha de Wight”, onde bandas de vanguarda e de forte influência comportamental se apresentaram e modificaram o pensamento de uma época. Na primeira edição de 31 de agosto de 1968 pouco mais de dez mil pessoas acompanharam bandas como T. Rex e Jefferson Airplane. Já a edição de 1969 levou cerca de cento e cinquenta mil jovens que participaram dos shows e da influencia comportamental de bandas como: The Who, The Band, Joe Cocker, Free, The Moody Blues, e Bob Dylan. Em 1970 mais de seiscentas mil pessoas compareceram ao festival, entre os dias 26 e 30 de agosto, para assistir aos shows de Procol Harum, The Doors, The Who, Jimi Hendrix e Joan Baez. Desta forma fica fácil identificar como rapidamente o jovem europeu transformou sua forma de pensar e ao mesmo tempo teve acesso a grandes oportunidades culturais que foram disponibilizadas no fim dos anos 60 e início dos anos 70. O fim dos anos 70 é um período de tédio cultural. Desde o fim do Beatles em 1970 e o “envelhecimento” da geração dos anos 60, que precisou terminar seus estudos, trabalhar e sustentar sua família, que a década de 70 demonstrou uma fragmentação cultural. Essa fragmentação ganhou o nome de “tribos”, onde pequenos grupos possuíam suas próprias formas de vestir, de se comportar, suas próprias músicas, livros e filmes. Uma destas tribos consegue romper com o tédio cultural e provocar uma nova forma de pensar ao jovem europeu. Foi o movimento punk na Inglaterra. Criticando e ridicularizando todos os símbolos importantes na Europa e com comportamento agressivo e visual sujo. O movimento agrada ao jovem inglês que desempregado e sem futuro, aceita a idéia do “faça você mesmo” de bandas como Sex Pistols e The Clash. E com nova proposta cultural alcança a Europa e os EUA. Logo outros movimentos tão grandes e rápidos como punk passam e desaparecem na mídia, mas deixam sua marca na cultura européia. Góticos, New Waves, Heavy Metals até a generalização final do Pop. Onde tudo fica rotulado com esse nome desde artistas dance como Rick Astley até bandas de rock como o Scorpions. Para mídia tudo que fazia sucesso e vendia era Pop. 1. 9 - A Juventude norte americana. Depois de muitos anos na Europa Henry Miller, escritor americano, retorna para os Estados Unidos na década de 1970, ele encontra uma juventude sem ideologia, consumista e decadente. A juventude americana era oprimida para os jovens que não estavam dentro dos padrões de consumo estabelecidos pela sociedade. Quem não consumia o ultimo modelo de qualquer novidade ou não participava de eventos com as mais recentes opções de cultura e lazer não era um jovem normal. Era considerado caipira ou “estranho”. Desta forma a juventude tornou-se uma massa consumidora de tudo: bens, cultura e lazer. As críticas de Miller impulsionaram o movimento de jovens intelectuais americanos. Eles consumiam Jazz e decidiram se livrar dos padrões de consumo da sua época. Lendo Allen Ginsberg, William Burroughs, Jack Kerouac e Charles Bukowski fundaram a base do pensamento Hippie. Estes jovens revolucionários criticavam duramente o modelo de vida americano que o mundo já considerava como meta a ser alcançada. Utilizavam as drogas como meio de expansão do pensamento, encaram a sexualidade de forma livre, possuíam uma base do pensamento socialista e influenciados pela religiosidade do oriente. Henry Miller analisa a sociedade americana de forma extremamente passional, pois era um homem, que após anos de exílio na Europa, voltava e se decepcionava com o painel apresentado pela terra natal: uma sociedade decadente e arrasada pela ideologia consumista e retrógrada que oprimia a todos que não partilhassem os mesmos preceitos. A juventude americana já havia experimentando a geração Beatnick nos anos 50, portanto revolução cultural e mudança de comportamento já não era novidade para a sociedade americana. Os Beatnicks saíram das universidades americanas, principalmente da Universidade de Columbia e promoveram o rompimento com a sociedade americana dos anos 50, que fascinadas pelo poder do consumo e iludidas pelas facilidades do recente crediário disponibilizado para as classes baixas e médias, tentavam viver a ilusão do “modo de vida americano” apenas adiando suas crises e renegociando suas dívidas. Na década de 1960 a juventude Americana experimenta o movimento Hippie, que fazendo parte ou não do movimento, todo jovem assumiu algum posicionamento em relação a ele. Ou vivendo e apoiando a filosofia ou rejeitando e combatendo-o. A conhecida geração paz e amor se opôs a sociedade consumista americana, abandonaram o conforto de seus lares para experimentar uma vida ligada a natureza e consequentemente desenvolvem o conceito e a vivência da ecologia. Paralelamente o movimento Hippie adotava uma forte postura política com manifestações e protestos. Como o combate pelo fim da Guerra do Vietnã que atravessou toda a década. A Festa da Vida, que foi uma forte manifestação entre 26 e 29 de agosto de 1968 em frente a Convenção do Partido Democrata Americano, em Chicago. E ainda o lançamento do porco Pigasus a presidência dos EUA neste mesmo ano. Nota-se por toda essa movimentação que os Hippies não só buscavam uma vida alternativa, mas também um mundo melhor. Foi um movimento tão importante que até os dias de hoje seu nome é identificado como conceitos de paz e ecologia. Semelhante ao ocorrido na Europa, a década de 1970 se fragmenta em tribos e estilos nos EUA. Disco Music, Rock Progressivo, Country e o Punk dividiram a juventude americana que ampliou sua capacidade de compra e transformou a país no maior consumidor de música do mundo. Três das quatro maiores empresas do ramo estavam em solo americano. Eram elas: Universal Music, Warner Music e a EMI Music. Restando apenas a japonesa Sony como a outra gravadora grande no mundo, mas com representações importantes em todo o mundo. 1.10 - O entrelaçamento Brasil, Europa e Estados Unidos. O Brasil da década de 1970 não possuía políticas públicas voltadas para a juventude, os jovens estavam atendidos nas mesmas legislações que atendiam as crianças enquanto que a Europa e os EUA formulavam políticas para jovens e designavam instituições governamentais responsáveis por sua atuação. Somente a partir dos anos 80, as políticas voltadas para a juventude foram estimuladas na América do Sul, organismos como a CEPAL, ONU e o governo da Espanha, geraram algumas iniciativas de cooperação regional e Ibero-americana, com intercâmbio de informações e experiências, promoção de capacitação técnica, de encontros para realização de diagnósticos e discussão de políticas. Nos EUA o movimento Hippie nascia em 1965 no estado do Colorado, propagado por professores e alunos que buscavam um rompimento com o sistema de ensino que eles consideravam ultrapassado e esclerosado. A primeira comunidade recebeu o nome de Drop City e tinha como objetivo valorizar o contato com a natureza e os trabalhos manuais. Logo esse conceito se espalhou pelo país e pelo mundo. Na França, o sociólogo Michel Maffesoli, estudava as manifestações culturais que a sociedade experimentava. Analisou o comportamento jovem como uma pós modernidade caracterizado por um neo tribalismo uma nova forma de agregação social fundamentada na afetividade. Essas novas tribos eram formadas por jovens com as mesmas ideologias, gostos, sentimentos e valores. Na Inglaterra a estilista Mary Quant como sua moda jovem e revolucionária mudou a forma de vestir dos jovens ocidentais, além de buscar praticidade e comodidade nas roupas, foi a inventora da Mini Saia. As décadas de 1960 e 1970 foram responsáveis por trazer novos conceitos e formas de se comportar diante de nossos problemas em comum, conceitos como os de contracultura, psicodelia, mini saia, ecologia, feminismo, rock, esoterismo, “faça você mesmo”, “paz e amor” e underground. 2 - A abertura política e cultural do governo Figueiredo. 2.1 As medidas de transição. A “Transição Controlada” era a expressão utilizada por Ernesto Geisel e depois continuada por Figueiredo para explicar e justificar suas políticas de abertura e por vezes de censura e repressão. Figueiredo em seu primeiro ano de governo acabou com o bi partidarismo e promoveu a anistia geral. Mas esses dois itens devem ser melhores avaliados, pois não se trata de uma conquista popular e sim de uma saída política. O fim do bipartidarismo funciona como um enfraquecimento da oposição, pois divide a mesma em vários partidos, mantendo o partido oficial a ARENA unida e forte. O MDB já estava fortalecido e desde as eleições de 1974 tem a maioria da Câmara e no Senado federal. A anistia era ampla, geral e irrestrita, mas com exceções. Os que foram julgados como terroristas, assaltantes ou sequestradores não receberam a anistia. Enquanto por outro lado os militares envolvidos em todas as formas de crimes foram anistiados para que, segundo a lei, não houvesse o revanchismo. Lei da Anistia. Lei promulgada em 28 de agosto de 1979 que por si só não era suficiente. A Anistia proporcionou a volta de exilados, a libertação de detentos e a aparição de pessoas que precisavam permanecer escondidas. Todos estes anistiados precisavam de suporte jurídico, social e financeiro. O início da década de 1980 foi marcado pelos comitês de ajuda aos anistiados. Estes comitês proporcionavam todo o tipo de ajuda necessária para quem teve que mudar radicalmente de vida. Estes anistiados, em sua maioria, iniciaram uma participação política nos partidos recém criados ou atuavam em organizações de combate a ditadura. A sociedade vivia um constante aprimoramento e entrelaçamento de idéias, propostas e culturas. Todos esses fatores foram consolidados em uma nova forma de ver e de fazer política. A crítica já não era velada e a participação partidária se tornou fundamental. Pluripartidarismo As eleições de outubro de 1965 demonstraram que o regime militar perderia politicamente em lugares importantes como o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Para garantir a ordem Castelo Branco publica o ato institucional número dois (AI 2) em 27 de outubro do mesmo ano. Fechando partidos políticos, intervindo no Poder Judiciário e estabelecendo apenas dois partidos o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional). A ARENA se mantém como maioria por quase todo o período militar, mas nos anos de 1976 e 1978 perde a maioria no senado e na câmara, desta forma, a medida de acabar com o bipartidarismo funciona como uma desarticulação da oposição, devolvendo a ARENA, ainda unida, a maioria no congresso nacional. As greves operárias de 1978-1980 O Grande ABC, região da grande São Paulo que reúne as cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano projetou nacionalmente um importante movimento grevista, que foi o dos operários das metalúrgicas. O Movimento conhecido como “Braços Cruzados, Máquinas Paradas”, ficou caracterizado por diversos movimentos grevistas de curta duração, mas que mobilizavam milhares de funcionários e diversos setores da produção industrial. Já no ano de 1979 esse movimento se espalha por todo o Brasil. Além de metalúrgicos, professores, médicos, enfermeiros, lixeiros, cobradores e motoristas de ônibus, bancários, mineiros e trabalhadores da construção civil. O movimento foi além de uma simples greve. Redes de solidariedade e apoio a estes movimentos forneciam estrutura para que a greve fosse realizada, como apoio de alimentação e de um fundo em dinheiro para o suporte de quem foi demitido ou teve os dias cortados. Os trabalhadores realizavam grandes manifestações coletivas, manifestações que ajudavam a formar uma identificação entre todos os envolvidos nas reivindicações. Naturalmente algumas lideranças surgiam e entre elas o sindicalista Luis Inácio da Silva, que chama a atenção do país durante a “Greve dos 41 dias”. Deste movimento surge uma expressão popular e de resistência que permanece em uso até os dias de hoje “A Luta Continua”. Originalmente usada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) durante a guerra que levou à independência do país, em 1975. A expressão foi utilizada pelos sindicalistas do ABC e se tornou um jargão popular. A diversidade das produções de linguagem como os ditos populares, as revistas, dentre outros, correspondem a diferentes sistemas caracterizados por um conteúdo específico e pelo meio lingüístico utilizado. São chamados de gêneros do discurso, cuja adoção é uma escolha determinada pela especificidade de uma dada esfera da troca verbal. (Brandão, 2000 ). A Nova República A campanha pelas eleições diretas para presidente e o clima democrático vivido no início dos anos de 1980 que culminariam com as eleições diretas para governador, deputados federais, e senadores foi o período em que o nosso objeto de estudo, o Rock Brasil, desponta na mídia e inicia sua expansão e entrelaçamento com a cultura da época. O sentimento de mudança e a organização popular seguem em frente nos anos de 1980. Em Goiânia a primeira grande manifestação popular em favor das eleições diretas para presidente pode ser destacada. Quando no ano de 1983 o PMDB promove uma manifestação no ginásio de esportes da cidade. Por todo o Brasil várias enquetes comprovam que a população deseja as eleições diretas. No dia 27 de novembro de 1983 a Praça Charles Muller que fica em frente ao estádio do Pacaembu em São Paulo, foi palco de uma grande manifestação popular com aproximadamente dez mil pessoas. Promovida pelos principais partidos políticos da época, PT, PMDB, PDT, além da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Congresso das Classes Trabalhadoras (Conclat) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Os primeiros meses de 1984 marcam um forte movimento popular em favor das eleições diretas para presidente. Em 12 de janeiro na Boca Maldita em Curitiba cerca de cinqüenta mil pessoas participam da manifestação. Em 25 de janeiro mais de trezentas mil pessoas lotam a Praça da Sé em São Paulo. Em 10 de abril cerca de um milhão de pessoas se reúnem em frente a igreja da Candelária no Rio de Janeiro, seguida pela manifestação paulista de 16 de abril no Vale do Anhangabaú com aproximadamente um milhão e quinhentas mil pessoas. Fica clara a mudança no comportamento político da população e os artistas e personalidades sobem aos palanques, cantam, discursam e contagiam a todos. O verde e o amarelo se transformam nas cores da campanha e o Hino Nacional a principal música deste período. Mas a “abertura controlada” não assistiria a tudo impassível. Em 18 de abril o presidente Figueiredo publica o decreto 89.566 proibindo por sessenta dias as manifestações populares e estabelecendo a censura prévia a rádio, TV, cinema e jornal. A chamada “Medidas de Emergência” foi decretada poucos dias antes da votação da Emenda Dante de Oliveira que estabeleciam as eleições diretas para presidente no ano seguinte. O dia 25 de abril foi marcado pela votação da emenda, eram necessários dois terços dos votos para que a constituição fosse alterada. Neste dia o congresso nacional amanheceu cercado pelo exercito, as manifestações populares como vigílias e panelaços foram reprimidas por todo o Brasil a golpes de cassetetes e violência militar. A emenda foi rejeitada, recebendo 298 votos a favor, 65 contra, com 3 abstenções e 113 deputados ausentes. Ficaram faltando exatos 22 votos para a obtenção do quórum mínimo. 2.2 A aproximação com Europa e EUA. A década de 1980 foi significativa na Europa pelo estabelecimento da cultura pop. As vendas alcançam números surpreendentes e a música, principalmente o rock, passa a ser um produto comercial e produzido de forma industrial para consumo imediato. Como definiu Anthony Giddens (2007) a cultura pop como um entretenimento criado para grandes audiências, como os filmes populares, os shows, as músicas, os vídeos e os programas de TV. E foi nesta década que o rock alcança seus maiores índices de vendas. Consequencias diretas da massificação do rock são os lançamentos para atender o público consumidor. Os Discos de Vinil e fitas cassetes começam a ser substituídos pelos CDs. O lançamento mundial do novo formato foi em 1982 com o disco do ABBA intitulado The Visitors. Os primeiros tocadores de CD foram produzidos pela empresa Holandesa Philips. A Europa logo levou esta tecnologia aos Estados Unidos transformando a forma de se ouvir música. O lançamento só chegaria ao Brasil em 1986. Nos EUA a cultura jovem inicia um forte processo de transformação com a inauguração da MTV (Music Television) em 1º de agosto de 1981. Uma empresa do grupo Viacom sediada em Nova Iorque. A MTV foi o primeiro canal com programação dedicada exclusivamente ao “público jovem”, englobando principalmente a faixa etária de 12 a 34 anos (ASSEF, 2001). O Marketing da emissora trabalhou em diversas mídias e ao mesmo tempo fazendo sua autopromoção. Músicas que viravam clipes, que originavam vinhetas, que ficavam no fundo de comerciais e participavam das trilhas sonoras de filmes e programas de TV faziam a divulgação dessa nova cultura. A logomarca da emissora saiu da televisão e ocupou cadernos, carros e lares americanos. Contando com a ajuda de ídolos como Michael Jackson e Madonna para divulgar a emissora e ao mesmo tempo divulgar suas músicas que eram veiculadas na programação fechava-se, assim, um circulo em que todos se beneficiavam de todos. Esse modelo de sucesso logo ganha o mundo e Europa (1987), Ásia (1987) e America Latina (1993) passam a ter suas emissoras da MTV. A MTV brasileira só entraria no ar dez anos depois em 20 de outubro de 1990 simbolizando perfeitamente nosso atraso cultural em relação aos EUA. E para sustentar a observação do atraso, também, tecnológico o primeiro clipe foi ao ar sem áudio, problema que só foi resolvido uma hora após a emissora estar oficialmente no ar. O comportamento do jovem muda quando seus ídolos, antes tão inacessíveis, passam a estar dentro de sua casa o tempo todo. A moda e o comportamento se transformam, e o jovem passa a ter um modelo para seguir e ao mesmo tempo identificar aqueles que possuem gosto em comum e estabelecer novos grupos sociais. 2.3 Os Festivais Os anos de 1980 são marcados pela cultura dos festivais e um dos mais importantes foi o MPB Shell que obteve boa repercussão na imprensa. O Primeiro MPB Shell acontece em 1981, mas o festival anterior o MPB 80 de 1980 pode ser considerado como um precursor natural onde apenas o nome é modificado. Assim como o Festival dos Festivais de 1985, também pode ser considerado a continuação do MPB Shell. Segue uma lista com os vencedores destes festivais: MPB 80. Vencedores: 1º Lugar: Agonia (Mongol) – intérprete: Oswaldo Montenegro 2º Lugar: Foi Deus que Fez Você (Luiz Ramalho) – intérprete: Amelinha 3º lugar: "A massa" (Raimundo Sodré e Antônio Portugal) – intérprete: Raimundo Sodré. MPB Shell 81. Vencedores: 1º Lugar: Purpurina (Jerônimo Jardim) – intérprete: Lucinha Lins 2º Lugar: Planeta Água (Guilherme Arantes) – intérprete: Guilherme Arantes 3º Lugar: Mordomia (Ari do Cavaco e Gracinha) – intérprete: Almir Guineto MPB Shell 82. Vencedores: 1º Lugar: Pelo Amor de Deus (Paulo Debétio e Paulinho Rezende) – intérprete: Emílio Santiago 2º Lugar: Fruto do suor, (Tony Osanah e Enrique Bergen) – intérprete: Raices de America 3º Lugar: Doce mistério (Tentação; Tunai e Sérgio Natureza) – intérprete: Jane Duboc Festival dos Festivais. 1985. Vencedores. 1º Lugar: Escrito nas Estrelas (Arnaldo Black e Carlos Rennó) – intérprete: Tetê Espíndola 2º Lugar: Mira Ira (Lula Barbosa e Vanderley de Castro) – intérprete: Miriam Mirah 3º Lugar: Verde (Eduardo Gudin e José Carlos Costa Netto) – intérprete: Leila Pinheiro A importância dos festivais como divulgador de cultura e de novos elementos apresentados aos jovens começou a ter destaque no início dos anos de 1960. Neste período as universidades realizavam festivais músicais internamente com o incentivo e apoio da TV Tupi. Os jovens universitários possuiam um perfil de esquerda e valorizavam as letras de conteúdo político. Os festivais dos anos de 1980 perdem o direcionamento político e criam a estética da MPB romantica, onde os protestos não tem lugar. Basta avaliar as listas apresentadas anteriormente para constatar o que era sucesso naquele momento. E ter a certeza que o Rock Brasil não obteve reconhecimento nas formulas dos festivais A importância dos festivais para o reconhecimento dos artistas contribuiu para o surgimento de uma fórmula de canção de festival que repetia os cânones musicais dos festivais anteriores com a intenção de obter uma boa classificação e recepção pelo público. Esse aspecto é evidenciado por Zuza Homem de Mello, que identifica o Arrastão com o “nascimento do gênero música de festival, que tinha por modelo a temática com uma mensagem, como na letra de Vinicius; a melodia contagiante, como na música de Edu Lobo; o arranjo peculiar, que levantava a platéia, e a interpretação épica de Elis Regina.” 2.4 Os festivais Internacionais. A Europa e os Estados Unidos possuem uma longa tradição de festivas de rock. Deixando claro que o avanço do gênero foi muito maior nestes lugares do que no Brasil. Mas não apenas o avanço pode ser considerado neste caso. É possível identificar nesta comparação Brasil – Europa – Estados Unidos, uma estagnação forçada no desenvolvimento deste tipo de atividade cultural. Na Europa realizavam-se festivais a céu aberto como: Hurricane Festival na Alemanha desde 1973, Roskilde Festival na Dinamarca desde 1971, Pinkpop Festival na Holanda desde 1971, Montreux Jazz Festival na Suíça desde 1967, Glastonbury na Inglaterra desde 1970 e Reading Festival na Inglaterra desde 1961. Devemos ressaltar que listamos apenas os mais importantes festivais, aqueles que tiveram grande repercussão na mídia e serviram como referencia na cultura das décadas de 1970 e 1980. Diversos festivais menores e anteriores a estes grandes festivais contribuiram para que a importancia dos festivais chegase ao nivel de influenciar na moda, na arte e no comportamento de todas as gerações posteriores. Dois festivais se tornaram ícones desta cultura o The Isle of Wight Festival (1968-69-70) e o Woodstock Music & Art Fair (1969), conhecido apenas como Woodstock. O The Isle of Wight Festival consagrou nomes como: Jefferson Airplane, The Who, Bob Dylan, The Door e Jimi Hendrix. Woodstock reafirmou alguns destes nomes e ainda apresentou: Crosby, Stills, Nash & Young, Creedence Clearwater Revival e Santana. Mesmo sendo um festival planejado para 200 mil pessoas e recebendo 500 mil alguns nomes importantes da época e que significam muito no cenário do rock mundial até hoje, ficaram de fora como: Led Zeppelin, Jethro Tull e The Beatles. O Brasil não teve um movimento de rock, como no resto do mundo, a partir de 1969, do festival de Woodstock, porque o Brasil vivia em uma ditadura. A Rita Lee e o Raul Seixas são dois milagres individuais de talento e resistência e que por acaso usavam uma linguagem Rock and Roll. A Gang 90 era muito urbana, novaiorquina, new wave, era cosmopolita, era todo esse tipo de coisa. Julio Barroso era DJ da minha discoteca em são Paulo e lá é que foi gestada também a Gang 90. Então é o reinício, aí o Brasil teve um movimento de rock, mas com 15 anos de atraso. (Nelson Motta, jornalista e produtor músical, em depoimento para o documentário Universo Lobão. 2012) No Brasil aconteceu uma tentativa de emular o Woodstock como o fracassado festival de verão de Guarapari. Programado para fevereiro de 1971 e com uma previsão de 40 mil pessoas, o evento não recebeu sequer 4 mil. A cidade não oferecia a mínima estrutura, pois não havia telefone e rede hoteleira, os músicos não receberam cachê e os dois dias de evento começaram com atrasos de mais de 3 horas e com vaias constantes do público pela falta de qualidade no som, na luz e na acomodação das pessoas. Os artistas que se apresentaram foram: The Bubbles ( A Bolha), Tony Tornado, Milton Nascimento, Som Imaginário, Ângela Maria, Novos Baianos, ERA e Soma. Fica evidente o distanciamento do público jovem principalmente com o nome de Ângela Maria. 3– Nasce o Rock Brasil. As primeiras aparições na mídia. O primeiro grande sucesso comercial do rock brasileiro foi a Blitz com a música “Você não soube me amar”. Mas antes deste grande sucesso comercial a banda vivia de pequenos cachês em igualmente pequenas apresentações e só conseguiam um pouco mais de dinheiro, pois os músicos acompanhavam outros artistas como Marina e a Gang 90 e as Absurdetes. Mas a agenda da banda foi crescendo e a incompatibilidade de horários fez a Blitz seguir seu próprio caminho. O primeiro show da banda acontece em 1981, no Rio de Janeiro. Os integrantes entram no placo saindo do meio do público, com capacetes de mineradores com lanternas embutidas e esse tipo de “performance de entrada” chamou a atenção do público e foi utilizado diversas vezes pela banda. Muito tempo depois Lobão, então baterista da Blitz, revelou que a “performance” foi copiada de uma apresentação do Peter Gabriel na Inglaterra muitos anos antes. Neste show foi apresentando o futuro sucesso comercial do grupo a música “Você não soube me amar”, que em uma entrevista ao jornal o Globo de 13 de junho de 1983 Lobão revelaria “ Você pode ver que a guitarra é Panny Lane total ... é um Iê Iê Iê, tipo Beatles 65” O roqueiro que abria o “Jornal do Disco” encartado na revista “Som três”, de janeiro de 1980 tinha vontade de dar um tiro na cabeça. Sob o título “O time que agravadoras escalaram”, estavam lá dez nomes nos quais as ditas cujas apostavam suas fichas para o primeiro ano da década. Eram eles, Oswaldo Montenegro (indicado pela Warner), Grupo Paranga (Bandeirantes), Gilliard (RGE), Gilson (Top Tape), Zé Ramalho (CBS), Olívia Byngton (Som Livre), Paulo André Bara (Continental), Diana Pequeno (RCA), Djavan (EMI) e Ângela Rô Rô (Polygram). Como se não só o punk, mas também o rock ‘n’ roll, a beatlemania, o heavy metal e o progressivo nunca tivessem acontecido. Era um panorama desalentador. De toda essa “seleção”, somente a exagerada Rô Rô, bluseira carioca lésbica assumida em altos brados, tinha algum parentesco com aquele tal de rock’n’roll. (DAPIEVE, 1995, p. 23). Mas a mídia já apresentava alguns elementos do rock nacional antes do sucesso da Blitz. Foi em 11 de setembro de 1981 no festival MPB-81 que a Gang 90 e as Absurdetes apresentam a cara do rock nacional. A música era “Perdidos na Selva” que apresentava uma letra fora dos padrões da época, apresentação performática, contrastando com tudo que acontecia no festival. Surpreendentemente chegam a final, mas não vão muito mais longe do que isso. O festival foi ganho por Lucinha Lins, Guilherme Arantes em segundo e Almir Guinéto em terceiro. Dois discos foram lançados contendo as 25 músicas que chegaram a final, no segundo disco a primeira faixa é com a Gang 90. Pouco depois a Gang 90 voltaria com a sua maior exposição de mídia na carreira, com o tema de abertura da novela da Rede Globo “Louco Amor” e a música “Nosso Louco amor”. Novela exibida em horário nobre, isto é, as 21 horas, de 11 de abril a 21 de outubro de 1983. O compacto da música atinge a marca de 100 mil cópias vendidas. Na noite do dia 6 de junho de 1984, Julio Barroso cai da janela de seu apartamento em São Paulo. Os jornais noticiaram um suicídio outros contestam, mas na verdade o rock brasileiro perdeu um de seus fundadores e poderia ter sido outro se Julio Barroso continuasse produzindo. Coluna de Walcir Carrasco na Folha de São Paulo em 12 de junho de 1984. Podemos afirmar que a certidão de nascimento do rock Brasil foi o primeiro disco da Blitz. Intitulado “As aventuras de Blitz”. Lançado em novembro de 1982 e precedido de um compacto simples, lançado em julho, com apenas uma música: “Você não soube me amar”, que vende 100 mil cópias. Lançado pela EMI-Odeon o disco chegou rapidamente as 250 mil cópias vendidas. Tocava em todas as rádios de todos os gêneros e em todos os horários. Com shows marcados para todos os dias da semana a banda circulou por Rio de Janeiro e São Paulo, esteve em todas as mídias disponíveis: rádio, televisão e jornal. Os jovens cantavam as músicas e imitavam o trio de vocalistas, copiavam seus gestos, roupas e gírias. Desta forma o Rock Brasil adquiria sua personalidade. Segundo Dapieve a Blitz incorporou expressões de seus discos ao linguajar popular do Brasil expressões como: “Blitz documentos! / Só temos instrumentos” (Weekend), “A dois passos do paraíso”, (Dois passos do paraíso), “Ok você venceu, batata frita” (Você não soube me amar), “Calma Betty, calma” (Betty Frigida). Um tipo de mito deveria ser derrubado pela banda. Tocar no Canecão, palco consagrado pela MPB e referência como símbolo de sucesso e consagração artística. E essa consagração acontece no dia 11 de abril de 1984 iniciando uma sequência de 18 apresentações para um público de 54 mil pessoas. A banda chega ao ápice da carreira. O Circo Voador, a rádio Fluminense FM e a casa noturna Noites Cariocas foram fundamentais para garantir um espaço de execução e apresentação das músicas do Rock Brasil e ao mesmo tempo serem alvo das pautas de jornalistas e garantir, assim, a divulgação das bandas. Utilizando essa estrutura formada quase que ao acaso, o Barão Vermelho inicia sua carreira tocando exaustivamente no Circo Voador e enviando suas fitas de demonstração (demo tape) para serem tocas na Fluminense FM. Uma destas fitas chega ao dono do Noites Cariocas, o jornalista Nelson Motta, que gosta das músicas e resolve bancar o primeiro disco da banda. Gravado em dois dias o disco é lançado em 15 de setembro de 1982, isto é, antes do primeiro disco da Blitz, mas o sucesso tão esperado só aconteceria depois do segundo disco. Barão Vermelho 2 é lançado em maio de 1983 e novamente nada acontece. A banda ganha visibilidade quando o artista de MPB e ex – Secos e Molhados Ney Matogrosso regrava uma música do segundo disco da banda “Pro dia nascer feliz” a banda ganha visibilidade e as músicas começam a tocas nas rádios mais populares e já embaladas pelo sucesso do Rock Brasil. O Barão chegaria ao Rock In Rio de 1985 e a sua carreira continuaria em evidencia a partir deste momento. Em São Paulo espaços como o do teatro da Lira Paulistana, o programa Fábrica do Som, o circuito dos SESC (Serviço social do Comércio) e as danceterias abriam espaço para bandas como Titãs, Ultraje a Rigor e Ira! As bandas com discos já gravados e ainda sem vendas expressivas e até bandas sem contratos assinados apresentavam-se nesses espaços como os Titãs que se apresentaram na Lira Paulistana em 1982 e no Fábrica do Som em 1983. Quando o primeiro disco só seria gravado em 1984. Os Paralamas do Sucesso alcançam a mídia através da Radio Fluminense FM, como uma fita cassete gravada de forma artesanal com a música “Vital e Sua Moto”. 3.1 Comportamento, estética e discurso. Luis Antonio Mello relata que em 1982, período em que era coordenador geral da Rádio Fluminense FM realizou uma pesquisa entre os ouvintes para escolher a melhor banda de rock, o resultado apontou o Led Zeppelin. A conclusão era que o jovem brasileiro estava defasado em relação ao que acontecia no resto do mundo, pois o Led Zeppelin já havia encerrado as atividades em 1979. No Período pré Blitz, Evendro Mesquita, vocalista da banda, revela que no Rio de Janeiro uma concentração cultural acontecia na praia do arpoador onde se reuniam surfistas, músicos e atores. Muitos deles transitavam nos três ambientes, como o próprio Evandro, que além de surfista participava do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone e tocava violão com suas letras e músicas novas. No documentário “Blitz Documento”, Evandro Mesquita explica que disputava os músicos com a Marina e com a Gang 90. Lobão tocava com a Marina, o Pedro também, O Billy tocava com a Gang 90, a Blitz não dava grana nenhuma. E na apresentação da banda no Circo Voador a banda definiria se continuaria ou não. Fizeram camisetas da banda e convidaram toda a imprensa. O show foi o grande sucesso do verão de 1981 – 1982. No período em que o Circo Voador ainda estava no Arpoador. Dos convidados nenhum apareceu apenas a banda 14 Bis que gostou do som e levou a banda para o produtor Mariozinho Rocha da Odeon. Desde suas primeiras apresentações os Titãs misturavam performance teatral, poesia e sátira social. Criando personagens e levando-os para o palco a banda cria forte identificação com o público e as performances chegam a programas de televisão como Clube do Bolinha, Programa da Hebe (Camargo), Perdidos na Noite e Domingo Legal. Nota-se que estes programas pertencem a diversos canais, horários e faixas de idade. Em apenas dois anos e dois álbuns lançados, Titãs (1984) e Televisão (1985) coloca a banda com 8 integrantes como grande referência no Rock Brasil. 3.2 Um comparativo cultural no início da década de 1980. Brasil, Europa e EUA tem relações muito distintas entre o rock e a sociedade. Nos EUA o rock vem do blues que vem dos negros, isto é, da parcela marginalizada da sociedade. Tocar, dançar ou ouvir rock era para uma parcela pobre e discriminada da sociedade. Na Europa o rock encontra abrigo cultural nas classes operárias e nos movimentos universitários. Sindicalistas e estudantes inconformados utilizavam o rock como elemento de expressão e motivação para suas lutas. No Brasil o estilo segue uma tendência diferente e é absorvido pela classe alta da zona sul do Rio de Janeiro e pela burguesia paulista. Após a explosão da Jovem Guarda e o seu esfriamento, o rock retorna a mídia através de rádios AM alternativas e logo depois com o surgimento das FMs. Essas rádios tem como alvo as classes A e B e a faixa etária dos 15 aos 30 anos de idade. Portanto o rock chega com sucesso e repercussão na classe média e alta brasileira, enquanto no resto do mundo o rock representa a contestação, a renovação e a luta por políticas socialistas e igualitárias. As poucas festas de rock ou eventos ligado ao estilo eram visto pelo governo e polícia brasileira como potencial local de conflitos e consumo de drogas, mas nunca como uma ameaça ao governo. Enquanto na Europa e EUA os jovens que ouviam o rock paravam países inteiros com suas greves e protestos, interrompiam guerras e denunciavam políticas econômicas perversas. A juventude brasileira estava atrás da européia e da americana em muitos aspectos e um parâmetro de referencia são as casas de shows que abriam espaço para as novas bandas de rock. Temos cerca de 20 anos de distância quando comparamos o cenário brasileiro com o europeu no início da década de 1980. No Brasil o Circo Voador recebe bandas novas no início de 1982. Quando já estava estabelecido na Lapa, bairro da zona central da cidade do Rio de Janeiro. Por lá passaram bandas sem gravadoras como: Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Blitz, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens e Celso Blues Boy. Comparando com a realidade européia podemos citar o Marquee Club em Londres. Inaugurado em 1958 como uma casa de Jazz logo depois se estabeleceu como ponto de encontro do público com as novas bandas de rock. No palco do Marquee passaram os Rolling Stones, Yarbirds e The Animals (1962). Além de estréias de bandas e artistas como Jimi Hendrix, David Bowie, Cream, Pink Floyd, Manfred Mann, the Who, The Nice, Yes, Led Zeppelin, Jethro Tull, King Crimson, Genesis, Moody Blues por toda a década de 1960. Para efeito de comparação destacaremos um período para comparar a programação das casas mencionadas acima no dia 25 de dezembro de 1982 apresentava-se no Circo Voador a banda de rock progressivo Bacamarte. Formada em 1974 e que só gravaria seu primeiro disco em 1983 e nunca alcançando um reconhecimento de publico em forma de vendas e contratos comerciais. Já no Marquee quem se apresentava era a também progressiva banda inglesa Marilion formada um ano antes e como o primeiro registro, assim como o Bacamarte, em 1983. O Marilion alcançaria uma longa e reconhecida carreira na mídia. Realidades diferentes para bandas como o mesmo estilo músical. Isso deixa claro que o mercado europeu estava pronto para receber novas bandas devido ao seu passado que oportunizou outras bandas a alcançarem seu espaço junto ao público jovem que consumia o rock. Enquanto no Brasil a falta deste ambiente favorável ao jovem, principalmente pelo período da ditadura militar e a sua censura, impediu que a cultura de ouvir o novo se estabelecesse. Só mesmo a lenta abertura política e as condições criadas no início dos anos de 1980, permitiram que o jovem tivesse acesso ao rock. 3.3 Artistas nacionais de mídia e suas influências. A explosão do Rock Brasil em 1982 e por consequência a formação de novos ídolos leva a análise de qual foi a influencia que esses novos ídolos recebiam. Quem eram seus ídolos e se esses ídolos realmente existiam. De onde buscavam inspiração e modelos de estética e comportamento. Os artistas brasileiros que alcançariam destaque na década de 80 obtiveram sua formação pessoal e artística nos anos 70 dentre eles é importante ressaltar os personagens mais importantes. Lulu Santos e Lobão possuíam uma carreira anterior com a banda Vímama que apesar de muito reconhecida no meio alternativo era uma tentativa de reproduzir bandas internacionais de rock progressivo como o Yes, Genesis e Jetro Tull. Herbert Viana, vocalista, guitarrista e letrista dos Paralamas do Sucesso relata na biografia da banda a forte influencia de nomes como o The Police no início da carreira da banda em 1980 e 1981. Nota-se claramente que os artistas nacionais buscaram referencia em bandas americanas e européias, principalmente inglesas para construírem suas carreias e suas propostas artísticas e culturais. 3.4 – As gravadoras e a grande mídia. As gravadoras são empresas que comercializam as músicas dos artistas. Esse segmento comercial iniciou suas atividades no fim do século XIX e alcançou estabilidade comercial na primeira década do século XX. A mais antiga gravadora do mundo é americana Columbia Records fundada em 1888 e em atividade até hoje. Desde então a venda de músicas se tornou um comércio lucrativo em todo o mundo. Gravadoras surgiram e montavam seus estúdios de gravação. Mas a dinâmica do mercado proporcionou fusões, divisões, incorporações e falências. Ao chegarmos ao nosso período de pesquisa encontramos o mercado do Rock Brasileiro com grandes gravadoras e artistas emergentes. O Brasil teve suas gravadoras desde a fundação da Casa Edson no Rio de Janeiro que em 1902 lançou sua primeira gravação comercial. Passando por várias gravadoras o Rock Brasil encontra a Som Livre. Gravadora criada em 1969, para comercializar as trilhas sonoras das novelas da Rede Globo de Televisão. A Blitz era contratada pela EMI (sigla de Electric and Músical Industries Ltd). Gravadora fundada em 1931 em Londres. E permaneceu na gravadora nos seus três primeiros discos. Os Paralamas do Sucesso foram artistas da gravadora do início de sua carreira até os dias de hoje. O Barão Vermelho lança seus discos pela Som Livre até 1988 quando mudam para a WEA (Warner Music Group) gravadora americana fundada em 1958, que lançou os discos do Ira! Até a metade da década de 1990. Do Kid abelha e os Abóboras Selvagens do primeiro em 1984 até o final da década de 1990. De Lulu Santos de 1982 até 1986. Dos Titãs do primeiro disco de 1984 até 1998. E do Ultraje a Rigor de 1983 até o fim da década de 1990. A Gang 90 lançou seu disco pela RCA (Radio Corporation of America) fundada em 1929 e que no Brasil o seu maior artista e vendedor de discos o cantor Nelson Gonçalves. Mas lançou o segundo disco de Lobão “Ronaldo Foi Pra Guerra” em 1984 que permaneceu na gravadora até o fim da década. E os discos de Lulu Santos de 1986 a 1989. Lobão lança seu primeiro disco “Cena de Cinema” pela alemã BMG (Bertelsmann Music Group), depois se transfere para a RCA e voltaria para a gravadora no início da década de 1990. A gravadora receberia também o ultimo disco de Lulu Santos na década “Popsambalanço e Outras Levadas”. No documentário Universo Lobão, do canal Bis, o próprio artista revela que quando assinou pela sua primeira gravadora chegou ao prédio e se deparou com uma faixa “Bem vindo à casa do samba”, era uma gravadora de sambistas e ele foi tratado como playboy. Neste mesmo momento foi convidado pelo maestro Guto Graça Mello, produtor músical da Rede Globo de Televisão, a colocar uma música do seu primeiro disco em uma novela da emissora. E quando foi a sua gravadora pedir o material promocional para levar ao produtor da Rede Globo ele foi impedido pelos diretores com as palavras “Você acha que eu vou dar mole pra playboy? Não vou dar não, você vai mofar aqui dentro.” Lobão procura o diretor geral da gravadora que estava em São Paulo. Ele então se tranca na sala do diretor e quando percebeu que não seria atendido quebra toda a sala do diretor. A Blitz arrombou a porta da MPB e apresentou ao Brasil o que viria a ser, o que hoje a gente chama de Rock Nacional, BRock ou Rock Brasil dos anos 80. Tanto que o fenômeno Blitz detonou nas outras gravadoras concorrentes da EMI, a busca pela próxima banda se sucesso. Muita gente veio na esteira da Blitz, tem histórias do Renato Russo pedindo pra Legião (Urbana) abrir um show da Blitz em Brasília. Quando o Ritchie ouviu Você Não Soube Me Amar na rádio, ele que já tinha meio que desistido da carreira artística, estava dando aula de inglês, falou “os caras que moram em frente ao Lobão em São Conrado conseguiram emplacar uma música na rádio, vou tentar de novo também. (Rodrigo Rodrigues, jornalista, músico e escritos no documentário Blitz Documentos) Segue abaixo tabela das bandas e suas gravadoras. EMI Bliz e Paralamas do Sucesso Som livre Barão Vermelho (até 1987) WEA Barão Vermelho (a partir de 1988), Ira!, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Lulu Santos (até 1986), Titãs e Ultraje a Rigor. RCA Gang 90 e as Absurdetes, Lobão (a partir de 1984) e Lulu Santos ( a partir de 1987 até 1989) BMG Lobão (até 1983), Lulu Santos (1990) 3.5 O sucesso nas ruas, rádios e televisões. Em 14 de agosto de 1982 a Blitz se apresentava pela primeira vez no Cassino do Chacrinha. O programa foi exibido em um sábado as 16 horas. O disco da banda só seria lançado dois meses depois, mas o sucesso do compacto lançado no mês anterior e com mais de 100 mil cópias já vendidas levou rapidamente a banda para a televisão. Já no mês de outubro de 1982 a Blitz aparece nos dois primeiros capítulos da novela Sol de Verão, da Rede Globo. Onde a banda se apresenta na festa de aniversário de 18 anos de um dos personagens. Em 13 de outubro de 1982 a crítica já comentava o futuro lançamento do primeiro disco da Blitz na crítica da colunista da seção de cultura do jornal O Globo, Ana Maria Bahiana, que transcrevemos aqui: “As Aventuras da Blitz” (Odeon). Na esteira de um compacto de sucessolegítimo – Você não soube me amar, que pulou a esfera da simples execução em rádio para cair no dia a dia da vida real da cidade – um elepê sempre divertido, que roça o brilhante quando Evandro Mesquita – cantor, letrista, articulador ideológico da Blitz – dá vazão ao seu fino humor educado por anos de Asdrúbal Trouxe o Trombone. Tormentos da classe média, Tv, cartuns e impasses juvenis desfilam ao som de um grupo que leva vantagem, ou seja, sabe tocar. Um problema: Por quanto tempo a Blitz conseguirá ser fiel ao seu próprio modelo sem ser prisioneiro dele? Aguardem o próximo Capitulo. A Coluna de Carlos Swann, de 11 de novembro de 1982 mencionava a futuro lançamento de As Aventuras da Blitz, em recorte que apresentamos a seguir. O ano de 1982 está perto do fim e a Blitz continua sua ascensão na mídia. No dia 27 de novembro a banda se apresenta no Maracanã, na tradicional chegada do Papai Noel. Com um público de aproximadamente 200 mil pessoas a banda toca as músicas Você não soube me amar e Geme, geme. Antes mesmo da Blitz chegar ao Cassino do Chacrinha, Lulu Santos já estreava no programa em 17 de julho de 1982, ao lado dele participavam do programa Gonzaguinha, Fafá de Belém, Fábio Junior, Sergio Reis, Ângela Maria e Jane e Herondi. Lulu Santos ainda era um som isolado da juventude em uma mídia ainda dominada pelos mesmos nomes dos anos de 1950, 60 e 70. Com alguma experiência acumulada Lulu Santos trabalhou com trilhas sonoras, principalmente compondo para Ricardo Graça Mello, onde a música “De Repente Califórnia” da trilha sonora do Filme Menino do Rio (1981) consegue boa execução nas rádios. A peça teatral “Numa Nice” tem as musicas compostas por Lulu Santos e interpretadas pelo mesmo Ricardo Graça Mello. Em matéria no Jornal O Globo de 15 de outubro de 1980 (um ano antes da explosão da Blitz) a colunista Hidegard Angel colocou nota que funciona perfeitamente como cartão de apresentação de Lulu Santos. Dois anos depois o primeiro disco chega aos jornais e a colunista mais ligada a musica jovem, Ana Maria Bahiana comenta o lançamento do disco Tempos Modernos na sua coluna do dia 10 de agosto de 1982. A colunista classifica o disco como New Wave à brasileira executada com rara competência. Uma semana depois Lulu Santos já´estava no programa Geração 80 da Rede Globo. Conclusão Caminhar pela história do Rock Brasil é atravessar um terreno ainda pouco conhecido, apesar de não ser um movimento recente, pois alguns dos seus principais personagens já completaram 30 anos de carreira em 2012. Observar um fenômeno tão de perto pode causar algumas distorções ou visões parciais de um grande movimento. E procurando não estudar e problematizar uma questão muito ampla fixamos apenas no nascimento do movimento cultural. Passando pelas condições que levaram ao seu surgimento e comparando o momento do nascimento do Rock Brasil com os movimentos semelhantes na Europa e nos EUA. Ficou claro que o final do período da ditadura militar no Brasil contribuiu para que esse movimento acontecesse. Desde o golpe de 1964 o país viveu forte repressão do pensamento individual, viveu sob censura cultural e política, exilou políticos de oposição e intelectuais que contestavam o sistema implantado. Os mais de 20 anos de período militar estacionou os movimentos culturais que germinam na sociedade espontaneamente. Europeus e americanos do norte continuaram seus movimentos culturais sob um clima de liberdade, mesmo com pontuais movimentos conservadores, que surgiam dentro da própria sociedade, desenvolvendo e experimentando novas culturas. Contestaram seus próprios costumes e ao mesmo tempo incorporaram culturas estrangeiras, como a cultura indiana. Enquanto no Brasil a censura impedia o nascimento de novas culturas e tentava valorizar apenas o que era nacional, como o difundido “Brasil, ame-o ou deixe-o”. A abertura controlada de Geisel e Figueiredo poço colaboram para o avanço na cultura brasileiro, apenas Figueiredo executou algumas políticas de abertura com a anistia e flexibilização da censura, que de toda forma ainda ceceou muito a liberdade de expressão. Como por exemplo, o primeiro disco da Blitz, que para ser lançado teve suas duas ultimas faixas arranhadas manualmente disco por disco por não serem aprovadas na censura e o disco já estava prensado e pronto para ir as lojas. E como admitimos que a cultura só existe pela sua capacidade de propagação, de atingir cada indivíduo e a partir dele formar grupos de identificação em comum e esses grupos comporem movimentos de alcance social significativo a ponto de transformar comportamentos e formar novos conceitos e novas realidade. Portanto as práticas dos presidentes militares bloquearam estes caminhos e impediram grande parte destas conexões. As bandas de rock brasileiras, formadas fundamentalmente por jovens, dos anos de 1970 sofrem por essas barreiras impostas pelo regime militar. O que por muitos pode ser considerado como um período ruim com poucas bandas ou artistas de linguajem jovem, liberal e contestadora, na verdade é um período de castração cultural, principalmente a contestadora. As bandas e os artistas estavam produzindo, resistindo e apresentando novas propostas culturais/musicais, inclusive o Rock Brasil, mas que sem destaque na mídia, sem discos divulgados, sem rádios e TVs apoiando não alcançaram o grande público e não tiveram a oportunidade de transmitir a cultura, principalmente a musical. Artistas e bandas como Bicho da Seda, A Bolha, Vínama, Raul Seixas, Made in Brazil, A Cor do som e Casa das Máquinas, realizavam shows, participaram de festivais e até gravaram discos, mas as demais condições para que a cultura se difundisse não permitiram que essa geração despontasse, mas levou artistas até aos anos de 1980 para, desta forma, colaborar com o surgimento do Rock Brasil. A falta deste suporte de mídia, combinado com a repressão da política de governo militarista em vigor impediu que a geração dos anos de 1970, se tornasse a geração do Rock Brasil, deixando esse legado para a década seguinte. A insipiente rádio FM, a falta de programas de TV e o desinteresse da mídia impressa pelo rock brasileiro relegou essa geração a condição de pré Rock Brasil, mas sem deixar de significar a base artística e técnica, no sentido de formação musical dos artistas, para a geração seguinte. O grande salto em relação ao número de consumidores deste “novo” Rock Brasil acontece depois da divulgação nas rádios e do início de um circuito de shows e novos espaços em casas noturnas. Fui na televisão que o Rock Brasil ganha forma, cor, estilo e personalidade. Roupas, gírias e comportamento passam a ditar a nova moda ou nova cultura de massa. Progamas de auditório, novelas, entrevistas e o início dos videos clips ajudaram a identificar o público jovem com esse novo modelo de comportamento. Portanto a televisão cumpriu papel fundamental para a consolidação deste movimento. O jovem brasileiro, consumidor desta nova cultura, passa a ter interesse no que acontece no restante do mundo, pois as rádios não executam apenas os sucessos nacionais. As bandas e artistas da Europa e dos Estados Unidos passam a ser consumidos juntamente com as bandas e artistas brasileiros e nesse momento se percebe a enorme distância cultural do Brasil para os demais países. Enquanto as bandas brasileiras tem suas letras censuradas ou os artistas não tem ousadia suficiente para expressar suas idéias ou, ainda pior, não tem formação cultural suficiente para apresentar novas propostas. A bandas européias e americanas são formadas por jovens de grande história de liberdade e ousadia de pensamento. Jovens que são filhos das gerações hippie ou beatnik expressam em suas letras de música e em seu comportamtento a liberdade de décadas sem censura governamental. Enquando os jovens brasileiros da década de 1980 são filhos de uma geração que cresceu sob os vinte anos de ditadura militar. As medidas de abertura do governo do presidente Figueiredo contribuira para o nascimento do Rock Brasil no sentido de voltar as atenções dos censores para um veículo que atingia muito amis pessoas que as, ainda inexpressivas, bandas de Rock, a televisão. Mesmo com graves problemas com a censura algumas musicas que certamente não seriam lançadas antes de 1979. Como a própria música de marca o nascimento do Rock Brasil, Você não soube me amar” que abertamente diz “Mas realmente, eu preferia que você estivesse nua” a cena obscena que se formaria na cabeça dos censores vetariam esta música para execução pública. Concluímos que a juventude brasileira dos anos de 1980 viveu um período de atraso em suas liberdades, principalmente a cultural e musical. Privada por duas décadas de sua liberdade de expressão, além de não possuir um passado de movimentos culturais próprios como EUA e Europa viveram. O que restava era copiar o que era importado, versões em português de musicas estrangeiras, copias das roupas da moda e do comportamento do jovem europeu e americano. O artista brasileiro não tinha acesso as modernas técnicas de gravação e a instrumentos de melhor qualidade. A qualidade de gravação dos discos nacionais era muito inferior aos discos de grupos e artistas internacionais. Culturalmente o jovem brasileiro e o Rock Brasil chega ao início dos anos de 1980 com, pelo menos, 20 anos de atraso em comparação com o jovem europeu e americano. Filmografia Napalm: O som da cidade industrial Direção: Ricardo Alexandre Produção: David Barkan e Ricardo Alexandre Direção de fotografia: David Barkan Montagem: Fabiana Freitas. A vida até parece uma festa. Direção Oscar Rodrigues Alves e Branco Mello. Produção Academia de Filmes e Casa Cinco. 2008. Blitz Documento. Direção e Roteiro de Rafael de Paula Rodrigues. Produzido Pelo Canal Bis e Soul Filmes. Universo Lobão. Direção de Rafael de Paula Rodrigues. Produzido pelo canal BIS e Soul Filmes. 2012. Tendler, Silvio. Era das Utopias. [Documentário – Vídeo]. Produção Executiva: Ana Rosa Tendler. Direção e Roteiro: Silvio Tendler. Brasil. TV Brasil, Rádios MEC, Nacional, Nacional da AM e Alto Solimões. 2009. DVD. 6 episódios de 26 minutos. Som. Mello, Branco. A vida até parece uma festa. [Longa metragem – Filme]. Direção: Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves. Produção: Ângela Figueiredo e Paulo Roberto Schmidt. Filme. Acedemia de Filmes e Casa 5. 2008 100 minutos. Som. Bibliografia ABRAMO, Helena.W. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994. AGUIAR, Joaquim Alves de. Panorama da música popular brasileira: da Bossa Nova ao rock dos anos 80 In: SOSNOWSKI, S; SHWARTZ, J. (Orgs.). Brasil: O trânsito da memória. São Paulo: Edusp, 1994. ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta – O Rock e o Brasil dos anos 80 . São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002. BRANDÃO, H.N. ( 2000 ) Texto, gêneros do discurso e ensino. In: Chiappini,L. ( coord. ) Gêneros do Discurso na Escola. São Paulo: Cortez Editora, 2000. CHACON, Paulo. O que é Rock . São Paulo: Nova Cultural: Brasiliense, 1985 (Coleção Primeiros Passos; 66) CORRÊA, Tupã Gomes, 1948. Rock, nos passos da moda: mídia, consumo X mercado . Campinas, SP: Papirus, 1989. DAPIEVE, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80 . Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995 224p. (Coleção Ouvido Musical). FRANÇA, Jamari. Os Paralamas do Sucesso: vamo batê lata. São Paulo: 2003 GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Cia das Letras, 2004. GASPARI, Elio; Hollanda, Heloisa Buarque de; Ventura, Zuenir. Cultura em trânsito: da repressão à abertura. – Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2000. GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. RJ: Record, 2007. LOBÂO, 50 anos a mil. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2010. MELLO, Luiz Antonio. A onda maldita: como nasceu e quem assassinou a Fluminense FM. Rio de Janeiro: Ed. Xamã; 1999 MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2003. MOBY, Alberto. Sinal Fechado – A música Popular Brasileira sob Censura (1937- 45/1969-78). Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994. ORTRIWANO, G. S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 3.ed. São. Paulo: Summus, 1985 RODRIGUES, Rodrigo. As Aventuras da Blitz. Ediouro. São Paulo, SP. 2009 SEVERINO, Jairo. A Canção no Tempo: 85 anos de músicas brasileiras , vol. 2: 1958-1958 / Jairo Severino e Zuza Homem de Mello. – São Paulo : Ed. 34, 1998 368p. (Coleção Ouvido Musical). SILVA, Elizete Mello da. Indústria cultural e música popular brasileiro dos anos 70 (século XX). Assis/SP, 2001. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. STEFANI, Gino. Para entender a música . Gino Stefani; tradução Maria Bethânia Amoroso; revisão técnica Luis Reyes Gil; prefácio J. Jota de Moraes. Rio de Janeiro: Globo, 1987. SUZIGAN, Geraldo. O que é Música Brasileira . São Paulo: Brasiliense, 1990 (Coleção Primeiros Passos; 238)