quarta-feira, 13 de março de 2019

A completa tragédia da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano.


No dia de hoje o assunto, que não vou dizer como o mais comentado, mas sim o mais lamentado do Brasil e provavelmente um dos mais noticiados do mundo, vem nos provocar a triste busca de explicações do que pode levar dois jovens a cometerem um ato tão extremo e sem motivos.

Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos e Luiz Henrique de Castro de 25, ex alunos da escola praticaram uma sequencia inimaginável de crimes horríveis. Como estou escrevendo no mesmo dia dos fatos, certamente muitos detalhes dos crimes praticados ainda serão esclarecidos. Mas em breve resumo os dois assaltaram uma locadora e mataram o dono durante o roubo de um Onix branco. Seguiram para a escola em que estudaram e sem qualquer impedimento entraram e iniciaram os disparos.

As vítimas foram identificadas como:
Marilena Ferreira Vieira Umezo, coordenadora pedagógica
Eliana Regina de Oliveira Xavier, funcionária da escola
Pablo Henrique Rodrigues, aluno
Cleiton Antonio Ribeiro, aluno
Caio Oliveira, aluno
Samuel Melquíades Silva de Oliveira, aluno
Douglas Murilo Celestino, aluno

Essa tragédia é mais uma depois de tantas já ocorridas no mundo e no Brasil. Em nosso país as que receberam grande destaque da imprensa foram:

Em 7 de abril de 2011 na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo
Em 5 de outubro de 2017 no Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente, em Janaúba, Minas Gerais.
Em 20 de outubro de 2017 no Colégio Goyases, em Goiânia.

Não é exagero dizer que parece que temos uma tendência de repetição de fatos semelhantes em escolas no Brasil. E diante destes fatos é importante refletir e agir para que novos acontecimentos não provoquem tragédias ainda maiores. Afirmar com exatidão o motivos e a forma de evita-los não é possível, pois a complexidade dos fatos e as diversas possibilidades em uma sociedade tão grande e diversa não permite essa simplificação das respostas, mas quero alertar para um caminho, dos tantos possíveis para os problemas sociais. Sim, estes fatos são um problema social, são problemas que surgem na e por causa de um sociedade. Mas vamos as minhas observações.

Desde a abertura democrática, no fim da ditadura militar, iniciamos um processo de polarização política e social. Um pouco antes, no fim dos anos de 1970 o processo de polarização seguia o aspecto religioso. Mas vamos passo a passo.

Na política estamos divididos em dois grupos ou se pertencia ao MDB ou a ARENA. Com o fim da ditadura e a nova constituição de 1988 experimentamos um grande aumento do numero de partidos e naturalmente um pluralidade de ideias. Mas logo eles se dividiram em dois grandes grupos. Governo e oposição e mais recentemente direita e esquerda. Por fim continuaram em dois polos opostos.

Na sociedade a divisão era o "homem do campo" e o da cidade. Não demorou muito e o êxodo rural transformou a realidade do Brasil. A população de periferia cresceu muito e nos dividimos entre ricos e pobres, pessoas normais e favelados, norte e sul. Até pouco tempo se falava em separar o nordeste do Brasil para que cada um ficasse com seu presidente. 

Voltando a pouco mais de cem anos, éramos divididos em escravizados e livres, até a metade do século XX, homens e mulheres não tinham acesso as mesmas oportunidades. E para não seguir em outros longos exemplos quero deixar claro que sempre seguimos divididos de alguma forma. Muitos podem dizer que era uma divisão pacífica, sem violência. Certamente que diz isso estava ou está do lado que domina e faz as regras do jogo político, social e financeiro.

Chegando aos nossos dias esses sentimentos de divisão se aprofundaram e se agravaram. Nos dividimos por gênero, religião, clubes de futebol, cor, preferência política, limitações físicas ou intelectuais, idades, gosto musical, classe social, etc. Sei que podem até dizer que essas diferenças são naturais, e são. Mas as diferenças se transformaram em barreiras, em preconceito, em ódio. E esse ódio chegou a prática, pois quem detêm um ponto de vista ou uma posição qualquer na sociedade, começa a entender de forma distorcida, que apenas sua posição é válida, apenas ele tem o direito a se expressar e a dominas as formas de atuar na sociedade. Quem não é exatamente igual a forma que determinado grupo pensa passa a ser mais do que hostilizado, passa a ser perseguido e agora pior, chega ao ponto de se pensar em eliminá-lo.
Trago para o caso de Suzano essa linha, dentre tantas outras possíveis, de que estamos caminhando para os extremos, para o desejo irracional de eliminar, matar, extinguir tudo aquilo que é diferente de mim. E precisamos caminhar, pensar e praticar o reverso disso. devemos ser mais tolerantes, afáveis, generosos, simpáticos e amáveis com nossos semelhantes, porque, no fundo, somos todos de um mesmo grupo, o humano.      

quarta-feira, 6 de março de 2019

A cultura no carnaval do Brasil e o enredo da Mangueira no desfile do Rio de Janeiro.

A cultura no carnaval do Brasil e o enredo da Mangueira no desfile do Rio de Janeiro.

 Muito comum a banalização daquilo que não nos é importante e ainda mais comum a generalização dos defeitos que não acreditamos em ter. E esses dois momentos ficaram evidentes neste carnaval de 2019. Nosso carnaval, que é um movimento cultural múltiplo, vai além das escolas de samba e trios elétricos, além dos maracatus, dos frevos e dos Bois do Norte do país. O carnaval que também é dos salões de baile até dos retiros espirituais. O carnaval é um momento importante na cultura do Brasil e fechar os olhos para esse fato é tentar desviar a atenção para opiniões pessoais que passam longe do respeito e entendimento que deve haver entre as pessoas. Por outro lado, quem não gosta do carnaval tem, cada dia mais, maiores e diversa opções para não ser incomodado ou afetado pela festa.

O problema acontece quando o não gostar se transforma em ataques raivosos e irracionais. O que recebeu maior destaque, até internacional, foi o twitter do presidente Jair Bolsonaro contendo um vídeo com cenas pornográficas protagonizadas por duas pessoas no alto do que parece ser uma marquise. Sem entrar nas questões políticas do que o presidente postou, quero ressaltar a falta de condições de promover um debate, no mínimo com algum conteúdo, para que a sociedade debata o tema e chegue as suas decisões. Evidente que qualquer comportamento criminoso deve ser repreendido, seja de amigos ou de opositores, mas tentar coibir ou condenar quem pensa e age de forma diferente da que julgamos certo é o caminho para o caos.

 Aproximando o foco do objetivo deste texto, quero chegar a cultura apresentada pelas Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Com origem na década de 1920 o desfile se transformou através dos anos e apresenta enredos (histórias) complexas e, na maioria das vezes, resultado de uma extensa pesquisa histórica e cultural. A descrição das alas, carros alegóricos, fantasias e interpretações, quando lidas pelos apresentadores de rádio e televisão, quase sempre nos revela fatos e personagens da nossa história que, até então desconhecíamos.

 Neste ano de 2019 os desfiles aconteceram nos dias 3 e 4 de março e as escolas desfilaram nesta ordem:

 Império Serrano
Unidos do Viradouro
Acadêmicos do Grande Rio
Acadêmicos do Salgueiro
Beija-Flor de Nilópolis
Imperatriz Leopoldinense
Unidos da Tijuca São Clemente
Unidos de Vila Isabel
Portela
União da Ilha do Governador
Paraíso do Tuiuti
Estação Primeira de Mangueira
Mocidade Independente de Padre Miguel

 Seus enredos trouxeram temas variados, mas quase sempre, frutos de uma intensa pesquisa e debate dentro das escolas. Vou me aprofundar no enredo e na letra do samba apresentado pela escola campeã de 2019. A Estação Primeira de Mangueira. Acredito que o tema, a letra e a apresentação da escola é um perfeito exemplo do quanto de história e cultura podemos encontrar nas diversas demonstrações culturais que levaram o carnaval brasileiro ao nível de ser a maior atração turística do país.

Então vou apresentar a letra do samba e o que posso entender de seu significado. História para ninar gente grande.
Esse é o título da letra da música. E fica claro que os autores estão tentando alertar que existe uma realidade que tenta enganar as pessoas e o verbo “ninar”, fazer dormir os bebês, expressa que os adultos precisam continuar dormindo feito criança e que não acordem para a realidade dos fatos. A realidade que é diferente do que nos conta a história oficial. Agora vamos para os versos.

 “Mangueira, tira a poeira dos porões”
A escola de samba que colocar os fatos de forma limpa, por isso quer tirar a poeira, ela quer mostrar os fatos como eles são, quer tirar eles do porão, do lugar profundo em que foram escondidos e apresenta-los as pessoas.

 “Ô, abre alas pros teus heróis de barracões”
O abre alas é a figura encontrada para dizer que a história está começando a ser contada e que tem muita coisa para ser apresentada, o carro abre alas é sempre o primeiro que entra no desfile. E os heróis de barracões são as pessoas simples, anônimas e de origem pobre que trabalha onde todo o desfile é planejado e montado e eles tem a qualidade de heróis por trabalharem muito e que seria justo seu reconhecimento.

 “Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões”
 O Brasil colocado no plural transmite a intenção de afirmar que nosso povo tem múltipla representação étnica e cultural. Os cantores e compositores Leci Brandão e Jamelão, também são colocados no plural. Pois a origem humilde dos dois representam que os humildes podem encontrar sua representação em artistas iguais em origem, cor, religião e condição social.

 “São verde e rosa, as multidões”
As cores da escola se apresentam como representação do povo, o local onde as pessoa se encontram e se reconhecem como iguais.

 “Brasil, meu nego”
Expressão muito usada na Bahia, mas que já se espalhou por todo o país o “meu nego” que tem uma expressão de carinho quando utilizada popularmente, aqui recebe um segundo significado. A verdade de que o Brasil, é um país formado, na sua maioria, por negros e seus descendentes. Além da grande miscigenação, que é a maior característica do nosso povo.

 “Deixa eu te contar”
O autor empresta sua voz a quem canta o samba e o que parece um pedido para cantar dizer as verdades que estão por chegar, na verdade é um alerta para que o Brasil (seu povo) tenha atenção para uma nova história que será contada.

 “A história que a história não conta”
Por muito tempo a história que foi ensinada nas escolas era a história dos vencedores, das grandes datas e dos grandes nomes. Na primeira metade do século XX uma nova forma de se contar a história passou a ser muito utilizada, era uma escola acadêmica de estudos francesa, chamada Escola dos Annales, nela a história recebeu um tratamento mais profundo, os humildes, camponeses, derrotados, escravizados e esquecidos foram ouvidos pela nova forma de se observar e escrever os fatos do passado. E esse verso caminha nessa novidade e abre a possibilidade de se ver os fatos antigos com novas interpretações.

 “O avesso do mesmo lugar”
 O poema continua nos levando para o entendimento de que: tudo pode ser diferente, tudo pode receber uma nova interpretação e que é verdade em um “lugar”, pode ser interpretado de uma forma completamente inversa.

 “Na luta é que a gente se encontra”
O poeta se coloca na mesma posição do leitor/ouvinte e deixa claro que interpretar os fatos de uma forma diferente não é uma tarefa fácil. Ela requer trabalho, esforço e principalmente luta, pois não se derruba uma dominação sem combate, no mínimo, um combate de ideias.

 “Brasil, meu dengo”
Aqui chegamos ao nível da intimidade, o povo brasileiro já entende e parece querer participar desta nova visão, então é chamado.

 “A Mangueira chegou”
A escola se coloca na posição de condutora desta nova busca pela verdade e se anuncia como tal.

 “Com versos que o livro apagou”
O que foi perdido com o passar do tempo é resgatado pela escola e apresenta esses versos ao Brasil.

 “Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento”
Aprendemos na escola que o Brasil foi descoberto em 22 de abril de 1500, por Pedro Alvares Cabral, mas quando se aprofunda no estudo dos fatos passamos a conhecer uma nova verdade. Primeiro que muitos outros navegadores europeus estiveram por aqui antes de Cabral e o mais importante, aqui já havia um povo, com língua, cultura e vida próprias. Que nada foi descoberto e sim invadido e tomado a força.

 “Tem sangue retinto pisado”
O sangue que recebeu nova cor, repintado ou como é a forma mais forte de se interpretar o sangue misturado e contaminado foi pisado pelos invasores. A expressão retinto também é muito utilizada pelo movimento negro, que se refere como “sangue retinto” aqueles que já receberam alguma mistura com sangues de origem não negra.

“Atrás do herói emoldurado”
O já mencionado herói histórico e colocado em um quadro como grande exemplo tem, atrás dele, muito sangue inocente derramado.

 “Mulheres, tamoios, mulatos”
Sangue de mulheres que resolveram não se dobrar a dominação do homem, sangue dos nativos Tamoios, que viviam na região do norte de São Paulo até o sul do Rio de Janeiro. Os Tamoios foram responsáveis pela maior revolta de nativos brasileiros contra o colonizador português, a famosa “Confederação dos Tamoios” onde nativos impuseram grandes derrotas aos portugueses em solo brasileiro. E os mulatos, filhos de negras com os senhores brancos, viviam no limbo da sociedade.

 “Eu quero um país que não está no retrato”
O desejo do poeta é contar e viver a história destas pessoas descritas no verso anterior e que essa história seja a verdade vivida no Brasil de maioria de descendência negra, nativa e as mulheres, que são maioria da população.

 “Brasil, o teu nome é Dandara”
Dandara foi esposa de um dos maiores símbolos de resistência a escravidão no Brasil, Zumbi. Com ele ela teve três filhos e quando esteve prestes a ser presa e novamente escravizada, se jogou de um penhasco e morreu. Ela se torna um símbolo de resistência tão forte quanto Zumbi. Por isso a letra compara a luta do povo brasileiro ao exemplo da Dandara.

 “E a tua cara é de cariri”
A nação de nativos Cariris viviam no nordeste, em parte da Paraíba e do Ceará e também representa a cara do Brasil em sua diversidade.

 “Não veio do céu”
Aqui já antecipando ao sentido de receber a liberdade, o poeta garante que ela não veio da graça divina.

 “Nem das mãos de Isabel” E que a liberdade dos escravizados no Brasil, também não veio pela simples assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.

 “A liberdade é um dragão no mar de Aracati”
 Um dos mais significativos versos deste poema/samba enredo faz menção a Francisco José do Nascimento, líder jangadeiro na cidade de Aracati no Ceará. Em 1881 João influenciou seus colegas jangadeiros a decidir que a escravidão estava abolida na província do Ceará e que ele patrulharia os mares para manter e garantir a liberdade dos que eram escravizados. Foi um movimento pioneiro no Brasil.

 “Salve os caboclos de julho”
Na última estrofe são reverenciados mais heróis que não receberam o merecido destaque na história oficial do Brasil. Em 2 de julho de 1824 os “caboclos” baianos lutaram pela independência da Bahia, durante o movimento de resistência a declaração de D Pedro I. Sem o apoio militar e a luta dos caboclos da Bahia, a independência do Brasil poderia ter um outro destino.

 “Quem foi de aço nos anos de chumbo”
 Também são destacados os que resistiram ao golpe militar de 1964, os chamados “anos de chumbo” onde os direitos civis foram suspensos por muitos anos.

 “Brasil, chegou a vez”
E caminha para o final de sua exaltação incentivando a todos que pertencem a esse brasil que não está na história oficial, para ouvir e aprender sobre seu passado e buscar um futuro melhor.

 “De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”
 E a melhor forma de mudar a história, saindo de esquecidos para protagonistas é ouvindo as histórias e seguindo o exemplo de várias mulheres. Algumas “Marias” anônimas ou Luiza Mahin, que no início do século XIX foi protagonista de diversos movimentos pela libertação dos escravizados na Bahia ou de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro por defender as causas dos pobres e indefesos ou a revolta dos Malês, também na Bahia, protagonizada por escravizados islâmicos.

 Para encerrar meu texto convoco a todos para uma reflexão. Se não encontrar nesta letra de samba ou em tantas outras, fatos e personagens tão importantes para nossa história e nossa cultura, sugiro ainda mais leitura, ainda mais estudo, ainda mais debate. Pois quando os fatos estão na nossa frente e não conseguimos os ver é sinal de que algo muito ruim está acontecendo.