terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Trabalho sobre o México - Antonio Alexandre Pacheco Bordalo

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé – Fafima
Curso: História





Trabalho sobre o México




Professor: Victor Tempone
Aluno: Antonio Alexandre Pacheco Bordalo
Matéria: América no Contexto Capitalista





O presidente Lázaro Cárdenas toma posse em 1934. Seu partido político governou o México durante décadas. Em 1938, ele promoveu a nacionalização das indústrias petrolíferas e elétricas, criando o Instituto Politécnico Nacional. Iniciou a reforma agrária, a distribuição gratuita de livros escolares e marcou a política mexicana até os dias atuais.
O sucessor de Cárdenas foi Manuel Ávila Camacho. Propôs criar facilidades para o investimento estrangeiro. Seu regime congelou os salários, reprimiu as greves e perseguiu os dissidentes políticos. Isso fez com que o partido do governo (PRI) traísse a herança da reforma agrária. Quem substituiu Camacho no poder da presidência, Miguel Alemán Valdés, ainda reforçou tal situação, protegendo a elite dos proprietários e latifundiários. Mesmo diante do pressuposto de que os regimes do PRI conseguiram crescimento econômico e uma certa prosperidade durante quase trinta anos após o término da Segunda Grande Guerra Mundial, a economia sofreu vários colapsos, com agitação política no final dos anos 1960.
Em 1976 e 1982 houve crises econômicas gravíssimas. Nelas o peso mexicano foi desvalorizado e até o ano 2000 era normal ocorrer a desvalorização da moeda, com recessão ao final de cada mandato presidencial, de seis em seis anos. Já a crise de 1994, atirou o país num caos econômico. Foi a mais grave recessão que o México teve em 50 anos.
Um terremoto de aproximadamente oito graus na escala Richter causou muitos prejuízos na cidade do México. Morreram entre seis mil e quinhentas pessoas a trinta mil pessoas.
Voltando à política, observa-se que com o fim da hegemonia do PRI, em 1995, o então presidente Ernesto Zedillo também se via confrontado por uma séria crise econômica. Na ocasião ocorreram manifestações na cidade do México e a presença militar em Chiapas. Isso dado ao surgimento do Exército Zapatista de Libertação Nacional, em 1994.
Zedillo promoveu reformas políticas e eleitorais, reduzindo a capacidade do PRI no poder. Após as eleições de 1988, foi criado o Instituto Federal Eleitoral (IFE), com a missão de certificar-se da lisura, da justiça e da legalidade das eleições. Ou seja, combateram-se assim as constantes fraudes eleitorais no México, praga que assolou toda a América Latina, inclusive o Brasil na época da República Velha.
No dia dois de julho de 2000 foi eleito presidente Vicente Fox Quesada. Ele era candidato presidencial do Partido da Ação Nacional (PAN) e sua vitória pôs fim à hegemonia de 71 anos do PRI na presidência.
Hoje em dia, as angústias devido às preocupações econômicas e sociais são geradas pelos baixos salários reais, precariedade dos empregos da maior parte da população, desigualdade da distribuição de renda e difícil acesso da população ameríndia à qualidade de vida.
Além do mais, o país vive em inflação, pois o governo se empenha para isso. Mas os problemas econômicos para facilitar o desenvolvimento continuam a afligir o México. No setor petrolífero e nas relações com os Estados Unidos da América há dificuldades. Inclusive, a corrupção, a violência e o narcotráfico também assolam esse pais nos anos mais recentes.
Constituição de 1917
O presidente do México é eleito pelo sufrágio universal direto para um mandato de seis anos, sem reeleição. Nessa república federativa é a Constituição de 1917 que é seguida, que rege as leis eleitorais.
Um Congresso representa o Poder Legislativo, com a eleição de duas Câmaras. Já o Senado tem 64 membros, eleitos para trabalhar durante seis anos. Há dois senadores para cada Estado e dois para o Distrito Federal.
Quinhentos deputados são eleitos por três anos. Eles vão para a Câmara. Senadores e deputados não são reeleitos. Em cada Estado um governador é eleito democraticamente para o tempo de seis anos. Já o governador do Distrito Federal é nomeado pelo presidente do México. Todos os cidadãos acima dos 18 anos podem votar, têm o direito de votar.
O Tribunal Supremo de Justiça é o mais elevado em distinção e poder no México. Ele tem 21 membros permanentes, nomeados pelo presidente. Cursos de Distrito compõem os outros corpos de justiça naquele país.
A política externa mexicana
Legalismo. Isso prevaleceu na política externa mexicana até a década de 1970. Na ocasião, o México possuía uma economia fechada, cujo paradigma de desenvolvimento seguia o pensamento no qual se valorizava a substituição de importações. Mesmo assim não se fomentava a aproximação econômica e comercial com atores externos. Era um sistema político centralizado, ficando a cargo da presidência e da Secretaria de Relações Exteriores conduzirem a política externa.
Com outra visão, o PRI (Partido Revolucionário Institucional) cultivava a tese da soberania interna e da não intervenção em prol da independência da política externa mexicana frente aos Estados Unidos.
Para o PRI, essas posturas só podem ser compreendidas tendo em vista a importância da história revolucionária mexicana e dos inúmeros desafios colocados à soberania e integridade territorial do país desde o século XIX, sobretudo por parte dos Estados Unidos, que invadiram territórios mexicanos e os anexaram como, por exemplo, a Califórnia e o Texas.
O desenvolvimento econômico e a estabilidade política eram, antes de 1970, os principais objetivos dos governos mexicanos. Não havia nesse país, ideais econômicos, políticos e estratégicos externos.
Além do mais, era arriscado ter envolvimento na política internacional devido à proximidade e dependência dos EUA. Num sistema internacional polarizado como quando na época da Guerra Fria, ficava difícil para o México se inserir na esfera internacional. Apesar disso, o México não cortou relações diplomáticas com Cuba em momento algum. Isso é sinal de independência.
Mesmo não possuindo interesses externos significativos, o México defendeu uma política externa própria no sistema interamericano. Inclusive na OEA (Organização dos Estados Americanos), havia espaço para afirmar um discurso de independência e autonomia frente aos americanos. Apesar disso, os discursos eram meramente diplomáticos, não havendo efeitos comerciais significativos.
Para se proteger das intervenções Norte-Americanas, o México divergiu dos EUA ao invocar na OEA, o direito internacional. Assim, os mexicanos quiseram valorizar o caráter de independência e autônomo de sua política externa. Tudo isso tinha consonância com a natureza revolucionária do regime.
Utilizando a tradição diplomática de aplicação dos princípios de não-intervenção, de auto determinação e de soberania, o México condenou as invasões na Guatemala em 1954, na República Dominicana (1965), além de ter rejeitado as imposições de sanções contra Cuba, não rompendo as relações diplomáticas com Havana.
Assim, a posição do México se manteve como anti-intervencionista. Mas em questões que os norte americanos consideravam cruciais, como o combate ao comunismo, os mexicanos ficaram do lado americano.
O México também se destacou no apoio ao Tratado de Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (1967).
A política externa mexicana é analisada com averiguações e investigações nos períodos de 1970 a 2006, correspondendo ao mandato de seis presidentes (Echeverría, Portillo, De La Madrid, Salinas de Gortari, Zedillo e Fox).
Nos últimos 40 anos houve dois grandes momentos de reorientação da política externa mexicana: forte ativismo internacional na década de 1970 e a liberalização da economia em 1982.
A partir de então o México passou a se aproximar cada vez mais dos Estados Unidos, até culminar nos seis anos de Carlos Salinas de Gortari com a implantação do NAFTA. Nesse sentido, o governo Fox e o final do processo de transição democrática representaram mais continuidades do que mudanças com essa política externa iniciada a partir da década de 1980.
Mudanças importantes ocorreram sim no governo Fox, mas argumento que elas se restringiram à aceitação definitiva da internacionalização dos direitos humanos e da promoção democrática.
Entre os anos de 1970 e 1982, o México teve o perfil de uma potência média
O México passou a ter ambições de liderança até então desconhecidos nesse país. Isso se deu no governo de Echeverría (1970 – 1976). Nesse caso, houve rompimento com o tipo de política externa mais defensiva, ficando para os mexicanos um maior ativismo internacional.
Esse novo padrão de ativismo internacional respondia a circunstâncias domésticas, mas só foi possível também devido a um sistema internacional muito mais permissivo do que aquele do começo da Guerra Fria.
Frente aos sinais mais claros de esgotamento do modelo econômico de substituição de importações, e diante de uma crise de legitimidade política do regime, decorrente do massacre de estudantes em 1968 pelo exército na Cidade do México, Echeverría recorreu ao plano internacional para tentar aplacar as crises econômica e política internas.
Na esfera política, entretanto, era necessário melhorar as relações com a esquerda e restaurar a imagem progressista e democrática do país. No confronto com os estudantes esquerdistas, essa imagem ficou desgastada.
Assim, o governo mexicano procurou aproximar-se de Cuba e do Chile de Allende. O governo buscou apaziguar os setores de esquerda, além de distrair a atenção dos problemas domésticos.
Echeverría aumentou ainda de forma ampla o número de países com os quais o México tinha relações diplomáticas e econômicas, encorajando ainda esforços que buscavam a unidade econômica latino-americana, como no caso do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA).
Entretanto, mais importante ainda que tais iniciativas, era a proposta de uma Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, que seria uma contrapartida à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tal Carta propunha uma nova ordem econômica internacional que, baseada na equidade, igualdade soberana, interdependência e cooperação, diminuiria as desigualdades do sistema internacional.
Em represália a tanta independência, o governo norte-americano resolve pôr fim ao bom relacionamento com os mexicanos e impôs uma taxa adicional de dez por cento em todas as importações e se recusou a isentar produtos mexicanos. Isso ocorreu em 1971.
Assim as grandes dificuldades econômicas do país recrudesceram. Inclusive, o modelo de substituição de importações precisava de financiamento para dar continuidade à produção de bens de capital.
A nova atitude do governo pretendia, então, diversificar a dependência do país, implementando uma política externa de diversificação nas relações internacionais mexicanas. Novos mercados eram buscados e estratégias de promoção de exportações foram desenvolvidas, enquanto aumentava a participação do governo na produção e regulação da atividade econômica.
Ou seja, havia intervenção do Estado na economia. Não havia o “laissez faire, laissez passer”. A política de diversificação da dependência, todavia, não produziu os resultados esperados e no final do governo o país vivia uma severa crise econômica. A dívida externa havia crescido, o peso mexicano tinha se desvalorizado, ocorria fuga de capitais, a balança de pagamentos tinha se deteriorado, e o investimento estrangeiro havia encolhido devido aos tons esquerdistas da política externa.
Também haviam fracassado as ambições de construir uma nova ordem econômica internacional, bem como as aspirações individuais do presidente de se tornar secretário-geral da ONU e de receber o prêmio Nobel da Paz.
Diante dos problemas financeiros, o governo de Portillo, que veio depois do governo de Echeverría, teve de aderir a um programa de austeridade econômica, promovido e gestado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Entretanto, o governo Portillo (1976-1982) logo daria continuidade à política externa ativa do governo anterior, voltada à diminuição e combate das desigualdades internacionais nos fóruns multilaterais.
A descoberta de reservas petrolíferas no país e a alta dos preços do petróleo, no final dos anos 1970, permitiu ao México manter um elevado grau de protagonismo na esfera internacional, sobretudo no entorno regional.
O governo Portillo buscou reforçar as posições de influência mexicanas frente aos países da América Central. Graças à tolerância de Jimmy Carter – presidente democrata dos EUA – foi possível ao México retomar as atividades esquerdistas. Apoiou os sandinistas na Nicarágua, rompendo relações com o regime de Somoza.
A riqueza do petróleo dava a Portillo condições de fazer frente aos Estados Unidos e se posicionar a favor dos pequenos países da América Central. Agora Portillo poderia capitalizar a necessidade norte-americana das reservas de petróleo mexicano tanto como uma moeda de barganha na política para a América Central, como um meio de aumentar os níveis de empréstimos internacionais.
Mas a péssima gestão dos fundos de petróleo e o negativo cálculo das rendas futuras do negócio, além de um endividamento grande com fontes públicas e privadas de crédito e a repolarização ideológica com a ascensão de Reagan ao poder, fizeram com que o México abandonasse o papel de líder nas crises da América Central. Seu ativismo na política externa também foi deixado de lado. A despeito do interesse continuado na região, os problemas de dependência econômica e a necessidade de reestruturar a economia forçaram o México a assumir uma postura mais alinhada com os Estados Unidos, o que significou o fim do perfil de uma política externa de potência média.
Mesmo assim, o principal empreendimento de Portillo foi encorajar a mudança política na Nicarágua e em El Salvador, num momento em que a luta de guerrilhas se alastrava pela América Central no final da década de 1970. O governo mexicano apoiou a revolução sandinista na Nicarágua e, em menor extensão, o movimento guerrilheiro em El Salvador.
O México participou pela segunda vez do Conselho de Segurança da ONU, em 1981. Isso durante o governo Portillo. Antes disso, o país só havia participado desse conselho em 1946.
Somente no governo Fox, o México voltaria a ocupar um assento de membro não permanente no Conselho de Segurança. Isso levou à sensação de tensão para a relação com os EUA. É que a posição mexicana sobre a guerra do Iraque desagradava os interesses do Tio Sam.
Anos de 1982 a 2000: liberalização econômica e aproximação com os EUA
A elite governante do México, nos anos de 1980, decidiu por um paradigma de desenvolvimento econômico e de inserção internacional do país, que efetivaram e marcaram duradouramente a política externa mexicana.
Houve uma decisão pela liberalização econômica e abertura ao mercado internacional. Isso foi implementado no governo de De La Madrid, entre os anos de 1982 e 1988, fato que pôs em marcha a reforma econômico-estrutural, com a institucionalização de uma associação econômica formal com os EUA, negociada no governo Salinas (1988-1994), com demarcação da Nafta.
Os governos subsequentes, de Zedillo (1994-2000) e de Vicente Fox (2000-2006), também mantiveram tais tendências econômicas. Eles eram do Partido de Ação Nacional (PAN).
Devido à crise motivada pela dívida externa, De La Madrid propôs um processo de liberalização econômica. Em 12 anos (de 1982 a 1994), o México mudou radicalmente sua política econômica externa e adotou uma estratégia de transformações em prol das reformas neoliberais, além de sua aproximação com os EUA e implementação do Nafta.
Em 1982, o México estava imerso numa profunda crise econômica, a mais forte pela qual o país passara desde a década de 1930, causada, entre outros fatores, por uma recessão global, pela fuga maciça de capital, por uma dívida externa sem precedentes, por uma balança de pagamentos deficitária, recorde de desemprego e inflação galopante.
A dívida externa do México tinha aumentado de US$ 4,2 bilhões em 1970 para US$ 30 bilhões em 1977 e alcançava US$ 63,7 bilhões em 1981. Durante o verão de 1982 a situação se agravou ainda mais - com a queda do preço do petróleo, as receitas da venda de tal produto caíram 50% e a dívida chegou a US$ 84 bilhões.
O jeito encontrado pelo governo mexicano foi anunciar, em 1982, que não podia cumprir seus compromissos de dívida, especialmente com os Bancos Norte-Americanos.
Tanto os EUA quanto o FMI apoiaram o governo de De La Madrid, com o objetivo que este iniciasse um processo de recuperação. Para isso, seria necessário aplicar medidas como: liberalização econômica, cortes nas despesas públicas, aceitação dos planos Baker (1985) e Brady (1990) , que promoviam o neoliberalismo.
O governo De la Madrid implementou medidas de liberalização comercial como parte desse programa de estabilização econômica, reduzindo tarifas de importação e eliminando algumas barreiras não-tarifárias com vistas a facilitar importações, na tentativa de controlar a inflação que começava a fugir do controle.
Assim, dentre os esforços que se voltavam ao ajuste macroeconômico, se inseria o processo de liberalização comercial unilateral do México e a entrada do país no GATT em 1986.
Foi impactante sobre a política externa mexicana o esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico daquele país. Isso não se restringe ao governo de De La Madrid, mas também no governo Salinas há um aprofundamento desse esgotamento e a introdução de novas mudanças.
O Presidente Salinas, com a finalidade de reanimar a economia e de legitimar o regime do PRI, bem como seu próprio governo – abalado pelo escândalo de suspeitas de fraude eleitoral na eleição de 1988 que levou Salinas ao poder – decidiu realizar uma mudança substantiva na orientação da política exterior do México .
A crise do modelo econômico protecionista e o grave problema da dívida externa, levaram o governo mexicano a abandonar a estratégia que buscava a manutenção de um âmbito de autonomia relativa frente aos Estados Unidos em favor de uma política externa de integração do sistema produtivo mexicano com os Estados Unidos.
Enquanto no plano político o andar da carruagem levava o México gradual e lentamente à democratização, na esfera econômica a verdade era uma absoluta abertura econômica doméstica: esse descompasso interno entre a liberalização econômica e a liberação política provocou impactos intensos e significativos na política externa mexicana Isso criou contradições na forma como eram tratados aspectos econômicos e políticos no âmbito das relações internacionais do país – surgiu uma política multilateral ambivalente, marcada, de um lado, por um compromisso ativo com negociações sobre assuntos econômicos e questões tradicionais de segurança, como desarmamento, enquanto que, de outro lado, existia uma posição mais defensiva e de baixo perfil relativa à promoção da democracia, direitos humanos e aos novos temas da agenda de segurança.
Quando se faz comparação entre a política externa mexicana entre o governo atual e os governos anteriores, conclui-se que a partir da década de 1980 houve uma política externa nova. O nacionalismo revolucionário convivia com o pragmatismo econômico, causando uma contradição na maneira de tratamento dos setores políticos e econômicos da política externa.
Passou-se a considerar quesitos como a globalização econômica, a abertura do mercado, os fluxos de capital internacional. Porém, houve permanência quanto ao fato de se resistir aos novos condicionantes políticos e sociais da globalização, como, por exemplo, o surgimento de redes transnacionais de atores não-governamentais e o fortalecimento de mecanismos de promoção internacional da democracia e dos direitos humanos.
Ainda que se tenha assistido nos governos do PRI de De la Madrid, Salinas e Zedillo a uma política externa em acordo com os princípios de abertura econômica neoliberal, o mesmo não ocorria em semelhante grau no âmbito político. Vários autores lembram que se esperava alterar o modelo de desenvolvimento e o sistema econômico sem que isso afetasse a estrutura política do país (Meyer, 1996; Velasco, 1999; Rangel, 2004).
A política externa, que antes era ideológica e centrada nos ideais políticos, foi afetada pela liberalização econômica mexicana. Com isso, abandonou-se o discurso e a ideologia do nacionalismo revolucionário, promovidos pela revolução de 1917. Chegara a hora e a vez de se aceitar princípios do livre-comércio e da cooperação institucionalizada com os Estados Unidos. Disso resultou uma ativa política econômica multilateral e uma maior aproximação com os países desenvolvidos, que culminaram no ingresso do México na OCDE , em 1994.
O ceticismo e a oposição do México a respeito do emprego de instituições multilaterais com propósitos políticos, constituiu-se num modo encontrado pelo país para fazer face ao sistema internacional durante a Guerra Fria. Isso se deu para evitar uma maior vigilância externa do processo de transição política doméstica.
Entretanto, para controlar as crescentes críticas externas, para manter a boa imagem internacional do país e, além disso, para lidar com um contexto de maior diversidade e oposição políticas domésticas, o governo Zedillo, e mesmo antes dele, o governo Salinas, em menor grau, tiveram de relutantemente começar a aceitar as questões da democracia e direitos humanos na agenda de política externa do país.
A democracia e os direitos humanos se tornaram uma bandeira da política externa mexicana. Inclusive, Fox iniciou uma política externa inédita: sua mudança não foi ocasionada pelos palanques e disputas eleitorais de 2000, mas ocorreu num processo de mudança qualitativa. A mudança da política externa já estava em operação bem antes da chegada do PAN à presidência. Foi na década de 1980 que ocorreu a maior fissura política e econômica daquele país.
É que a ascensão do candidato do PAN à presidência permitiu encerrar o ciclo de reticências e ambigüidades quanto à nova agenda política do pós Guerra Fria, concluindo a abertura da agenda internacional do país à promoção da democracia e direitos humanos, que já havia começado nos governos anteriores, como resultado de pressões domésticas e internacionais.
Vicente Fox (2000 a 2006)
Na década de 1980, uma grande onda democrática chegou às praias dos países da América Latina e o México se juntou a esse novo movimento relativamente cedo, via promoção de uma reforma eleitoral liberalizante, em 1977.
No entanto, a demorada transição democrática, que levou mais de duas décadas em muitas nações latinas, prolongou a democratização. Porém, alguns países latino-americanos entraram na década de 1990 já como governos democráticos.
No México os processos de crescimento eleitoral da oposição e de abandono do controle autoritário sob as instituições eleitorais pelo PRI estavam em gestação desde o início da década de 1980, mas foi só no final do decênio, sobretudo depois das eleições de 1988, que eles se aceleraram, até culminarem no governo Zedillo, nas reformas eleitorais definitivas de 1996 e na perda da maioria de cadeiras do PRI na Câmara dos Deputados em 1997.
Vicente Fox não foi o iniciador da mudança política do país. Foi, tendo como parâmetro o longo processo de transição democrática no México, o resultado da mudança política, representando o momento de alternância do poder no México.
A chegada de Fox à presidência é o resultado acumulado de um longo processo de mudanças políticas prévias e também de transformações profundas, como no plano econômico, que o país vinha sofrendo desde a década de 1980, a partir dos governos dos presidentes De la Madrid (1982-1988), Salinas (1988-1994) e Zedillo (1994-2000).
Apesar do fato de a eleição para presidente do México, no ano 2000, ter marcado como um substancial ponto de inflexão no demorado processo de democratização no regime, o resultado dessa eleição não significou o início da democratização política no México.
A vitória de Fox só foi possível graças a importantes mudanças prévias nas relações entre o Estado e sociedade e graças, ainda, a importantes reformas institucionais anteriores, sobretudo no plano eleitoral.
É um mito dizer que grandes mudanças na política externa mexicana começaram a ocorrer depois do ano 2000, apesar de o discurso oficial das autoridades do PAN insistirem nessa afirmação.
A consolidação do processo de democratização do México levou, de fato, a uma expansão da agenda internacional do país e à inclusão de novas prioridades nas relações internacionais do México, mas se observam marcantes continuidades com a política externa dos governos anteriores – comércio e finanças continuaram a ser temas centrais da agenda do país, o que demonstra a centralidade da dimensão econômica nas relações internacionais do país e a relação bilateral com os Estados Unidos se intensificou ainda mais, enquanto que o distanciamento do país frente à América Latina foi ainda mais ampliado, padrão em curso desde a década de 1990.
Houve proliferação de novos atores governamentais e não-governamentais para influenciar a política externa, mas mesmo com a agitação interna, a tomada de decisões permaneceu centralizada no Executivo. Foram mantidos os mesmos padrões de burocratização política, com centralização na Secretaria de Relações Exteriores. Isso se deu desde a liberação econômica.
O governo Fox atribuiu à política externa um papel mais importante dentro da lógica do processo de consolidação da democracia. No Plano Nacional de Desenvolvimento (2000 – 2006), ele anunciou que a política externa teria papel central e primordial no novo projeto de governo.
Além disso, as reformas democráticas internas seriam ancoradas, sustentadas e apoiadas na efetivação de compromissos com os instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos e de promoção da democracia.
Assim, a política externa que nos governos anteriores tinha possuído a função de garantir a estabilidade e unidade nacional, sendo válvula de escape para as pressões nacionalistas, ganhava agora novas funções e não mais precisava se apoiar na defesa de intenções como a não-intervenção para proteger de discursos agressivos ou críticos externos um sistema político que até então havia sido autoritário.
A posição tradicional do México frente a Cuba também sofreu alterações com essa ênfase nos direitos humanos e democracia: apesar do custo do conflito diplomático com Cuba e dos desacordos e tensões domésticas com os partidos de oposição no Congresso, o governo mexicano votou em 2002, 2003, 2004 e 2005 a favor de resoluções na Comissão de Direitos Humanos da ONU que solicitavam ao governo de Cuba permitir a visita de um relator especial para analisar a situação dos direitos humanos naquele país. Os governos anteriores do PRI haviam tradicionalmente se abstido em votações desse tipo referentes a Cuba.
Por fim, uma análise, ainda que breve, como a que se propõe aqui sobre a política externa foxista, não estaria completa sem uma rápida apreciação de seus sucessos e fracassos diante dos objetivos enunciados pelo governo.
Como disse o secretário de relações exteriores do México, nos anos de 2000 a 2006, dois eixos norteariam a política externa: maior aproximação com os Estados Unidos e maior presença em fóruns internacionais, com o objetivo de colocar o país no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Buscava-se assim aprofundar o NAFTA, executar acordo migratório com os EUA e lutar contra as drogas. Fox buscou estabelecer uma relação estratégica profunda e estreita com a América do Norte, propondo a seus sócios de integração regional aproximar o esquema original do NAFTA ao modelo europeu de integração.
Isso se realizaria através de adoção de mecanismos de financiamento ao desenvolvimento do México e da flexibilização dos controles de migração para a regularização gradual do mercado de trabalho entre os três países: EUA, México e Canadá.
O aprofundamento da integração era visto como uma porta de acesso ao resto do mundo e também faria do México o elo indispensável entre o Norte e o Sul no processo de integração das Américas. Todavia, a recepção dos parceiros regionais foi fria, e o processo de integração se aprofundou de fato apenas em aspectos de segurança ligados, sobretudo, com controle fronteiriço, combate ao terrorismo e troca de informações entre agências de segurança.
A ASPAN (Aliança para a Segurança e Prosperidade da América do Norte), firmada entre os três sócios do NAFTA em 2005, condensa as preocupações da agenda de segurança nacional norte-americana à qual o México teve que se adequar; a aliança é um compromisso dos três países para fechar as fronteiras da região ao terrorismo, crime organizado, drogas, tráfico de pessoas e contrabando.
A expectativa de construção de uma relação estratégica com os Estados Unidos foi afetada negativamente pelo impacto dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e por uma série de incidentes e desentendimentos diplomáticos que ocorreram desde o final de 2001 entre os dois países, como, por exemplo, a demora do México em manifestar apoio aos EUA em face da luta contra o terror após os atentados e, ainda, a posição mexicana no Conselho de Segurança, em 2003, contrária à invasão do Iraque. Isso significa que o México teima, contra todas as contrariedades políticas e econômicas, em ser uma nação independente.
O governo Fox queria fazer reformas no sistema migratório entre México e EUA, porém os ataques terroristas de 11 de setembro acabaram com qualquer perspectiva de sucesso dessa estratégia, já que na guerra global contra o terrorismo, a fronteira do México passou a interessar ao governo norte-americano pela perspectiva da segurança e não da mobilidade de mão-de-obra e da legalização dos trabalhadores mexicanos não-documentados em solo norte-americano.
A agenda de segurança bilateral, focada até 2001 no narcotráfico, passou a ter como centro o terrorismo e o controle fronteiriço; a imigração se tornou uma questão de segurança nacional nos Estados Unidos, o que impossibilitou o avanço da proposta mexicana quanto à imigração, batizada pelo governo Fox de encillada completa. Em vez de um acordo migratório abrangente, o que se viu de fato foi a construção de um muro na fronteira entre os dois países e o aparecimento do Minutemen Civil Defense Corps .
Sem ser do jeito que agradaria ao regime mexicano, houve uma maior aproximação entre EUA e México. É que o México queria um aprofundamento do NAFTA, segundo os padrões europeus, com um acordo migratório abrangente.
Apesar do clima festivo entre Bush e Fox, os temas de segurança nacional do governo de Washington dominaram a agenda bilateral e o NAFTA restringiu-se à situação fronteiriça de inteligência (2002). Uma vitória mexicana que vale assinalar, porém, foi a suspensão, em 2002, do processo de certificação da luta contra as drogas pelo Congresso norte-americano para o caso mexicano.
No governo de Vicente Fox assistiu-se ao afastamento gradual do México de uma relação mais próxima com os países latino-americanos, devido à ampliação da relação com os EUA, na década de 1990.
O próprio abandono do termo América Latina em favor de América do Sul parece sintomático desse processo. Nesse sentido, as dinâmicas hemisféricas cada vez mais se concentram em dois pólos: América do Norte e América do Sul, divisão essa que não fazia sentido nenhum antes da entrada em vigor do NAFTA.
Antes um ator chave nas agendas políticas latino-americanas, como quando da sua atuação no grupo Contadora, por exemplo, o país distanciou-se progressivamente da América do Sul em especial, visto que mantém ainda fortes interesses na América Central, como manifestado no Plano Plueba-Panamá .
Muitos países latino-americanos consideram as posições mexicanas muito próximas das defendidas pelos Estados Unidos. Apesar de o discurso oficial referir-se à importância da América Latina para o México, boa parte do prestígio que esse país gozava na região no passado não existe mais.
As crises reiteradas com Cuba durante o governo Fox em decorrência do voto mexicano referente à situação dos direitos humanos na ilha, bem como as crises com a Argentina, durante a Quarta Cúpula das Américas, em 2005, e em seguida com a Venezuela de Chávez, que resultou da saída desse país do G-3 (acordo de livre-comércio entre México, Colômbia e Venezuela) reafirmaram em boa medida a imagem de que o México estaria alinhado antes com os interesses norte-americanos.
Isso gerou desconfianças na região, sobretudo do Brasil. Os presidentes mexicanos continuarão sempre a viajar para o Sul, mas é a relação com o Norte que de fato estruturará a diplomacia mexicana.
As afinidades culturais com a América Latina e o desejo sempre presente nos discursos oficiais de diminuir a dependência frente aos Estados Unidos – em boa medida herança do nacionalismo revolucionário – permeiam a política externa mexicana, mas há poucos motivos para se acreditar que as relações entre o México e a América do Sul, em especial, assistirão a um aprofundamento.
Recordando as substanciais mudanças ocorridas na política externa da década de 1980, observa-se que elementos tradicionais convivem com elementos mais novos nas relações internacionais mexicanas.
A linguagem e o discurso nacionalista dos princípios da política exterior, em especial, têm ainda grande peso e são constantemente mobilizados tanto pelo governo quanto por partidos políticos de oposição e outros atores sociais.
Entretanto, houve enfraquecimento da tradição diplomática que defendia os princípios de autodeterminação, de soberania interna e de não-intervenção.
Mesmo no governo Fox, que adotou a democracia e os direitos humanos como prioridade da política externa, persistem reservas quanto a casos de intervenção humanitária e participação em operações de manutenção de paz.
O artigo 89 da Constituição dos Estados Unidos Mexicanos lista os princípios tradicionais da política externa mexicana, quais sejam: a autodeterminação dos povos, a não-intervenção, a solução pacífica de controvérsias, a proscrição da ameaça e do uso da força nas relações internacionais, a igualdade jurídica dos Estados, a cooperação internacional para o desenvolvimento, e a luta pela paz e segurança internacionais.
Mario Ojeda Gomes (2006) argumenta que, após a Segunda Guerra, surgiu entre o México e os Estados Unidos uma regra tácita, um “acordo para discordar”, segundo o qual o México discordava dos Estados Unidos em questões fundamentais para o México, mas não necessariamente importantes para o governo norte-americano, enquanto cooperava em questões essenciais para os Estados Unidos que implicavam poucas vantagens para o México.
Esse acordo tácito só pode ser explicado pelo interesse norte-americano em assegurar a estabilidade do México – os Estados Unidos compreendiam que boa parte dos desacordos e posturas mais críticas do governo mexicano se destinava ao “consumo interno”.
Eram orientados para apaziguar grupos domésticos mais à esquerda com o discurso da independência e autonomia da política externa. Esse mesmo interesse pela estabilidade doméstica mexicana explica ainda a ausência de críticas fortes do governo norte-americano ao México, dado ao temor de que isso pudesse ser interpretado como uma forma de intervencionismo, o que poderia causar distúrbios no país vizinho.
Um exemplo claro do silêncio dos Estados Unidos frente ao México ocorria na questão da democracia, já que interessava mais um regime autoritário estável comprometido com a luta contra o comunismo – e depois com as reformas neoliberais – do que um regime democrático instável. Em 1988, por exemplo, quando ficou claro que mais democracia no México significaria a vitória do partido de esquerda PRD, o governo norte-americano não hesitou em aplaudir a vitória controversa de Salinas, do PRI, comprometido com as reformas neoliberais.
É interessante notar a origem dos vetores transformadores da política externa nesses dois momentos. Enquanto em 1970 a mudança ocorre em decorrência de pressões políticas e econômicas domésticas, em 1982 a natureza das pressões é essencialmente externa e de ordem econômica.
O movimento estudantil e outros grupos sociais exigiam um sistema político mais democrático e aberto. O governo mexicano se opôs, por exemplo, a uma série de medidas que a OEA (Organização dos Estados Americanos) tomou com a finalidade de promover e defender a democracia no hemisfério, dentre as quais se destacam o “Compromisso de Santiago com a democracia e a renovação do sistema interamericano”. Este buscava estabelecer os mecanismos de atuação da OEA no caso de golpe de Estado ou outra forma de interrupção da democracia num de seus membros, e a Resolução 1080 de 1991, que estabelece mecanismos para a adoção de medidas a respeito de ameaças contra a democracia no Hemisfério.
O governo mexicano recusou-se a aceitar a nova agenda de segurança do pós-Guerra Fria, que insinuava o uso da força militar, em último caso, em questões como narcotráfico, direitos humanos, devastação ambiental e democracia.
Ainda que o tema dos direitos humanos e da democracia não seja novo na política externa mexicana, já que nos governos Salinas e Zedillo foram feitas concessões na temática, como a aceitação da presença de observadores eleitorais internacionais e mesmo de uma cláusula democrática no acordo comercial com a União Européia, é preciso lembrar que nesses casos as mudanças na posição do governo foram causadas por pressões internacionais, como a da rede transnacional de direitos humanos
A mudança qualitativa da política externa do governo Fox foi a de ter inserido esses assuntos de forma espontânea como prioridades da agenda internacional mexicana. O México foi o único país latino-americano que se recusou a romper relações diplomáticas com Cuba durante a Guerra Fria, e teve tradicionalmente uma postura simpática com o regime de Fidel.  
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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

CUBA - por Alessandro Guerra Mendonça

Cuba
1950 – 2011



Alessandro Guerra Mendonça
2011





Sumário

1- Introdução ------------------------------------------------------------------------------ 3
2- Digreção sobre a História de Cuba -------------------------------------------------- 4
3- Período pré Revolução ---------------------------------------------------------------- 7
4- A Revolução Cubana ------------------------------------------------------------------ 9
5- A Construção de um Novo País ----------------------------------------------------- 13
6- Desenvolvimento e Declínio do Socialismo --------------------------------------- 16
7- Conclusão ------------------------------------------------------------------------------- 20
8- Bibliografia ----------------------------------------------------------------------------- 21


































1 – Introdução

Este trabalho faz parte do cumprimento das avaliações da disciplina “História da América no Contexto Capitalista” da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé.
O objeto em foco é dissertar sobre a história de Cuba no período de 1950 aos dias de hoje. A linha teórica a ser seguida será a abordagem dos fenômenos políticos, sociais e econômicos de Cuba e sua inserção nos contextos internacionais desta natureza, a saber: a expansão marítimo-comercial dos séculos XV e XVI, na qual os países europeus “descobriram” a América; o imperialismo norte-americano a partir do século XIX; e a Guerra Fria. Esperamos deixar claro que Cuba fora o país latino-americano onde os contornos das conjunturas internacionais, bem como os problemas daí derivados, foram os mais agudos da América, e que a superação dos mesmos é prova do sucesso da Revolução Cubana e do socialismo. Para isso, embora tenhamos um recorte temporal específico, precisaremos fazer uma pequena digressão a cerca da história cubana, pois sem ela ficaríamos carentes sobre a significação dos fenômenos sociais e dos processos históricos em Cuba. A partir daí, trataremos sobre o período que antecedeu a Revolução de 1959, a Revolução propriamente dita, a construção de um novo país sob o sistema socialista, e o desenvolvimento e declínio do mesmo.













2 – Digressão sobre a História de Cuba

Antes de entrarmos no período foco deste trabalho, ou seja, entre 1950 e 2011, é preciso fazer uma pequena digressão a respeito da história de Cuba. Isso se faz necessário devido: i) a classificação da história do ponto de vista cronológico não coincide efetivamente com o início e o fim dos processos históricos de modo que possamos fazer um recorte temporal exato que os explique, ou seja, o estabelecimento de datas e marcos para registrar os acontecimentos históricos têm apenas o sentido de facilitar a localização daqueles processos no tempo. ii) isso se deve ao fato de que os fenômenos sociais não surgem nem desaparecem de forma instantânea, com recortes exatos no tempo, ou seja, os fenômenos sociais possuem raízes legadas de conjunturas passadas que podem conferir maior ou menor grau de influência no presente. iii) mesmo acontecimentos demasiado afastados do período em análise podem legar à determinada sociedade características que estarão presentes na mesma de forma peculiar e marcante, ou seja, fenômenos sociais podem preencher a estrutura das relações políticas, sociais e econômicas de determinada sociedade mesmo já tendo sido dissipados, como por exemplo, a exploração colonial e a escravidão típica dos países latino-americanos, fenômenos que, embora abolidos, deixaram sequelas ainda hoje significativas para as sociedades que conviveram com eles.
Cuba tem sua história moderna, assim como toda a América Latina, inserida em três contextos internacionais amplos, ocorridos em períodos distintos, porém determinantes regionalmente: o primeiro se refere ao processo de expansão colonialista das potências européias, encabeçado, sobretudo por Espanha e Portugal, a partir do século XV; o segundo ao imperialismo norte-americano a partir do século XIX com a manifestação da doutrina Monroe, “A América para os americanos”; e o terceiro, a Guerra Fria. Esse retorno demasiado longínquo, dado o recorte temporal desejado, tem importância fundamental no estudo sobre Cuba e toda América Latina, pois neste momento serão lançadas as raízes de uma nova história – nova na medida em que toda a região e as sociedades autóctones sofreram mudanças irreversíveis, quando não destruídas e apagadas da história no caso da segunda, por ocasião da chegada dos países europeus à América – raízes estas que possuem grande papel na significação da história recente destes países.
O objetivo das potências européias no processo colonizador iniciado no século XV era, a princípio, pilhar tudo o que fosse possível e num segundo momento instalar nas novas terras empreendimentos produtores de artigos tropicais primários destinados ao mercado europeu ou para suprir a saga colonialista. Cuba fora o principal entreposto entre toda a América Central e a Europa, cobiçada por todos os colonizadores, piratas e corsários, e dada a sua localização estratégica, se tornou uma forte praça militar. A partir do século XVIII, com a penetração da Inglaterra, devido à quebra do monopólio de comercialização com a Espanha, a monocultura da cana-de-açúcar é introduzida. Para isso lançava-se mão da ocupação das terras em larga escala através do arrasamento das florestas nativas, da escravização da população indígena local e, posteriormente, da introdução do escravo africano. Essa temática foi a pedra de toque durante toda a ocupação européia na América, assim, claro está que o legado não poderia ser diferente: o extermínio da população autóctone, a miséria, a dependência política e econômica, o atraso tecnológico, o preconceito racial, a degradação ambiental, a fragilidade das instituições públicas, o antagonismo entre classes, a independência em termos jurídicos, mas não políticos e econômicos, a soberania frágil etc. Estes aspectos estão presentes em todos os países da América Latina, porém em Cuba ganharam formas mais expressivas, assim como sua superação.
O processo de independência de Cuba possui grande relevância para compreendermos sua história recente. Foi neste momento que a ilha se livra do colonialismo espanhol e cai nas mãos do imperialismo norte-americano. A luta pela independência cubana se inicia em 1895, liderada por José Martí, Máximo Gómez e Antônio Maceo, com um exército formado sobretudo por escravos libertos. A Espanha, de todas as formas, tentou impedir este empreendimento, infligindo as maiores atrocidades possíveis, inclusive à população civil: estima-se em 300 mil o número de mortos no processo de independência para uma população de pouco mais de um milhão e meio de habitantes .
Ao início do século XIX, a história da colonização na América Latina recebe um novo componente: a declaração do presidente Monroe “A América para os americanos” deixa claro que os EUA têm o interesse de afastar as potências européias, que a essa altura já haviam fatiado a África e a Ásia, para manter o controle da região e torná-la sua área de influência, o que logo acontece com o Caribe. Em meados do século XIX os EUA já eram o principal parceiro econômico de Cuba, muito embora a colônia pertencesse à decadente Espanha, e neste sentido vê na guerra de independência cubana a oportunidade de se apoderar definitivamente da ilha, forjando um ataque ao encouraçado Maine de sua própria marinha e atribuindo o fato às forças espanholas quase derrotadas. Com esse pretexto e o pseudo apoio a Cuba, os EUA realizam sua intervenção militar na ilha, roubando dos cubanos a autonomia da vitória pela independência que se deu com a expulsão dos espanhóis em 1898, e inaugurando o novo imperialismo a que Cuba ficaria submetida. Assim, os EUA conseguiram evitar o avanço da presença inglesa, como ocorreu com outros países recém saídos do domínio colonial português e espanhol, iniciando o processo de construção de sua hegemonia na América Latina, e concretizavam sua ambição de anexar a ilha do Caribe, já demonstrada há muito tempo, como declarou ao início do século XIX o presidente Jefferson: “Devemos colocar a seguinte questão: desejamos adquirir para nossa Confederação algumas províncias hispano-americanas?...Confesso sinceramente que sempre fui de opinião que Cuba seria a aquisição mais interessante que poderíamos fazer para juntar ao conjunto de nossos Estados...O domínio desta ilha e da Florida nos daria o controle do Golfo do México e dos países do istmo...” .
O EUA mantiveram a ocupação da ilha até que a constituição cubana fosse aprovada com várias emendas que lhes garantiam vantagens econômicas, o direito de instalar bases militares, como a base no Estado de Guantánamo que lá está até hoje, entre outras medidas que cerceavam a soberania de Cuba. Paradigmático dessa postura é o artigo III, que assim prescreve: “O Governo de Cuba aceita que os Estados Unidos possam exercer o direito de intervir para preservar a independência cubana e a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, da propriedade...” .
A dependência econômica de Cuba diante dos EUA recrudesceu sua condição de monocultura exportadora de cana-de-açúcar. A produção do açúcar respondia apenas aos estímulos e interesses da economia norte-americana, que impedia qualquer possibilidade de diferenciação, industrialização e autonomia econômica. “Em pouco tempo, 3/4 do comércio exterior de Cuba se faziam com o seu novo e poderoso tutor” . “Cuba comprava dos Estados Unidos não só automóveis e máquinas, produtos químicos, papel e roupa, mas também arroz e feijão, alho e cebola, banha, carne e algodão” . Este desequilíbrio nas relações comerciais concorria para manter a dependência de Cuba, ou seja, o peso de suas exportações para os EUA era de extrema relevância para sua economia, ao passo que as exportações deste para Cuba não possuíam relevância econômica diante de sua grande economia, fenômeno este característico em toda a América Latina. Este fato era agravado devido à economia cubana ser baseada apenas na monocultura canavieira, pois as oscilações do preço do açúcar no mercado internacional e da cota anual importada pelos EUA a afetavam sensivelmente, o que tornava a dependência deste uma realidade necessária. No âmbito político, o Estado era ocupado alternadamente pelas forças conservadoras locais pró Tio Sam, todavia o poder definitivo cabia a este, e sempre que via seus interesses ameaçados não hesitava em adotar sua política intervencionista, ou Big Stick, principalmente através de meios militares, política essa inaugurada com Theodore Roosevelt e garantida constitucionalmente em Cuba. A dominação norte-americana, todavia, não se limitava às esferas econômicas e políticas, mas também no plano social, cultural e ideológico, ou seja, através da internalização da cultura e das ideologias fundia-se no seio sociedade cubana a ideia que o alinhamento e submissão aos EUA eram necessários e inevitáveis. Completava-se assim a construção da hegemonia norte-americana sobre Cuba, iniciado através de força militar e econômica.

3 – Período pré Revolução

A dominação econômica e política a que Cuba estava submetida criava profundos problemas na sociedade. O sucesso da Revolução bolchevique de 1917 introduz ideias que incrementam as manifestações populares, sobretudo dos trabalhadores das usinas de açúcar e fábricas de tabaco, contrárias aos regimes subservientes aos interesses norte-americanos. Neste contexto surge a Federação de Estudantes Universitários de Cuba e a liderança de Julio Antonio Mella . Diante da conturbada conjuntura social, o imperialismo dos EUA, em aliança com os setores cubanos conservadores beneficiados por ele, se sustentava através de regimes cada vez mais autoritários. Em 1925 é instaurada uma violenta ditadura com a ascensão do General Geraldo Machado. Inúmeros líderes trabalhadores e estudantis são assassinados, entre eles Julio Antonio Mella, em 1929. A violenta repressão aos movimentos sociais e as consequências da crise econômica dos anos de 1930 tornaram a permanência de Machado no poder insustentável, fazendo-o abandonar o país em 1932. Neste ano surge na cena política a figura de Fulgêncio Batista liderando um golpe militar e colocando Grau San Martín à frente do governo cubano, que diante da penúria na qual a população vivia, bem como das agitações empreendidas, implementa várias reformas progressistas, como o estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas e o direito de voto para as mulheres , que no entanto não são suficientes para amenizar as reivindicações por um governo aos moldes soviético e, sobretudo, anti-imperialista. As insurreições foram violentamente reprimidas por Batista que, com a renúncia de Grau San Martín em 1934, se torna a eminência parda por traz dos frágeis e curtos governos formados até 1940, quando ele mesmo convoca eleições e as vence. Seu governo é marcado, tal como os anteriores, pela subserviência aos EUA, corrupção, desemprego, inflação e perseguição aos movimentos populares e liberais. Seus sucessores, Grau San Martín novamente, e depois Prío Socarrás, seguem a mesma linha de governo. A alternância de presidentes, eventualmente opositores entre si, não significava mudança de projetos políticos e econômicos, mas apenas uma luta entre os setores conservadores da ilha que não pretendiam romper com a política de alinhamento automático com os EUA; somando-se a isso a corrupção, o abandono a que a população estava submetida, a repressão aos movimentos populares etc., e foi crescendo no seio da sociedade cubana a insatisfação e movimentos organizados como o Partido do Povo Cubano. Prevendo que não venceria o pleito presidencial contra o candidato deste partido, em 10 de março de 1952 Batista dá um golpe militar com o aval dos EUA, que temia a vitória de uma liderança popular cuja principal bandeira fosse a luta contra seu imperialismo. Com isso, o país se mantém mergulhado nos problemas já existentes, com o projeto político até então aplicado, porém agora com todas as possibilidades de luta democrática cerceadas, já que o Congresso e a Suprema Corte foram fechados, instituições públicas usurpadas, todos os poderes foram concentrados em Batista.

4 – A Revolução Cubana

A Revolução Cubana, ao contrário do que se possa imaginar, não foi obra apenas da consciência de Fidel Castro e seu grupo, pois existia na ilha toda uma atmosfera de revolta contra as arbitrariedades da ditadura Batista, bem como com uma extensa lista de problemas sociais e econômicos derivados, sobretudo, do imperialismo norte americano e da subserviência das elites locais. Foi através de Fidel, todavia, que este sentimento fora canalizado para um projeto organizado de derrubada de Fulgêncio Batista. Fidel Castro fora estudante de direito na Universidade de Havana, onde participou intensamente do movimento estudantil, sempre engajado nas ações por direitos sociais e contra o imperialismo norte-americano. Com a ascensão de Batista através do golpe de 1952, as formas de luta democrática desapareceram, outra chance não se apresentava que não as ações paramilitares. Dessa forma, em 1953, tem início a primeira grande ação de tentativa de tomada do poder pela via militar: o assalto ao Quartel Moncada, localizado em Santiago de Cuba, na parte oriental da Ilha, lado oposto ao da capital, onde se concentravam os principais contingentes militares. Cerca de 160 insurgentes atacaram o Moncada em 26 de julho daquele ano. A falta de organização, de equipamentos de comunicação e os precários recursos militares tornaram a ação desastrosa. O ataque havia sido descoberto por uma ronda, tirando assim seu caráter de surpresa, tendo os rebeldes sofrido inúmeras baixas, muitos sendo presos e posteriormente assassinados, e os que conseguiram escapar do combate se refugiaram na Sierra Maestra, entre eles Fidel e seu irmão Raul Castro, mas foram capturados em seguida.
Fidel assumiu sua própria defesa por ocasião do ataque ao Moncada, e descreveu-a num documento (seu discurso no julgamento) intitulado “A História me Absolverá”, no qual denunciava as arbitrariedades do governo Batista para com os rebeldes, mostrando que muitos não haviam sido mortos em combate, mas sim a sangue frio; invocava o direito de luta rebelde contra a tirania; denunciava a penúria na qual a população vivia; e apresentava as leis revolucionárias que depois se transformariam no programa do Movimento 26 de Julho, data do assalto ao Quartel Moncada. Fidel e os líderes da revolta, entretanto, foram condenados a 15 anos de prisão. Dois anos após a ação em Santiago de Cuba, aproveitando-se da abertura política promovida pelo governo, que decretava o fim da censura à imprensa e o retorno das garantias constitucionais, um grande movimento pela anistia aos presos que atacaram o Moncada forçou Batista libertá-los.
A organização e atuação contra o governo Batista se tornaram impossíveis; o policiamento sobre o Movimento 26 de Julho, o fechamento dos órgãos de imprensa que lhe davam apoio e a cooptação das instituições democráticas e demais forças políticas, fizeram o movimento abandonar a via democrática e se exilar no México para reorganizar a luta armada contra a ditadura, restabelecer a democracia, e combater o imperialismo norte-americano. A partir do exílio, o movimento iniciou grande campanha de propaganda revolucionária contra Batista, costurou alianças políticas com a burguesia cubana exilada – mais interessada em retomar seus privilégios do que instaurar um governo popular – com o Diretório Revolucionário e o Partido Socialista Popular, tendo o objetivo de obter o maior apoio político possível e recursos para a campanha militar, que era o grande ponto divergente entre estes grupos, já que o 26 de Julho defendia a luta clandestina de guerrilha rural, e os demais, as insurreições urbanas. No México, com poucos recursos e conhecimento militar, iniciaram seus treinamentos para a guerrilha. É neste momento que ao movimento são integradas duas personalidades de crucial importância: Ernesto Guevara, médico argentino que acabara de sair da Guatemala, onde participava da experiência democrática do governo Jacobo Arbenz - derrubado por um golpe militar apoiado pelos EUA – e profundo conhecedor dos problemas sociais dos povos latino-americanos, pois havia feito uma viagem de motocicleta por toda a América Latina; e Camilo Cienfuegos, jovem rebelde cubano também interessado na causa do 26 de Julho. Assumiram papéis simples no grupo, porém, posteriormente, se transformaram nos grandes personagens da Revolução ao lado de Fidel.
Em novembro de 1956, 82 guerrilheiros saíram do México com destino ao litoral sul de Cuba a bordo do iate Granma, barco com capacidade para transportar apenas de 20 pessoas. A viagem foi demasiado complicada, a superlotação de pessoal mais os equipamentos sobrecarregaram os motores da embarcação, e o mar agitado os fizeram permanecer sete dias no mar, e não os quatro previstos no planejamento. Dada a demora no desembarque, o exército desconfiou da ação devido às manifestações populares no oriente da ilha, que anunciavam o retorno de Fidel. Somando-se a isso, o esgotamento do combustível fez o grupo desembarcar em local diferente do esperado, sem o apoio dos grupos locais e numa região de mangue que dificultava a mobilização. Cansados, os rebeldes não se deslocaram imediatamente para a Sierra Maestra, e assim foram pegos de surpresa pelo exército, travando-se inesperadamente o primeiro combate do qual apenas 12 guerrilheiros sobreviveram. Ao se reagruparem em local seguro da Serra, todos se espantaram com o entusiasmo de Fidel, que afirmava que com aqueles homens e com aquelas poucas armas haveriam de vencer a ditadura.
Mas a Revolução não foi obra apenas desses homens: o Diretório Revolucionário, o Partido Socialista Popular e, principalmente, o Movimento 26 de Julho, construíam nessa conjuntura, a contra-hegemonia à ditadura Batista, com movimentos articulados nas esferas democrática e clandestina. A notícia de que Fidel havia sobrevivido ao ataque do exército, quando do desembarque do Granma, trazia euforia a um sem número de cubanos, pois ele representava o símbolo da resistência contra Batista e os EUA. Após chegarem à Sierra Maestra, os guerrilheiros passaram a conhecer mais a fundo a realidade do campesinato, ou seja, a exploração de seu trabalho, a violência dos latifundiários, e o conluio das autoridades com essa situação, efeitos de um modelo capitalista agroexportador controlado por interesses norte-americanos, e com a conivência do governo ditatorial de Batista, que deixava não só os camponeses, mas toda a população acuada e sem perspectiva de vida. Dessa forma, através da difusão do programa do Movimento 26 de Julho, que pretendia, dentre outras coisas, transferir a posse da terra para a população, expropriar os grandes latifúndios e integrar os pequenos produtores na indústria da cana-de-açúcar, a confiança dos camponeses foi sendo pouco a pouco conquistada. Ao mesmo tempo, o exército rebelde promovia ajuda médica, sanitária e de alfabetização, e o recrudescimento das ações contra a ditadura. Com isso, os camponeses passaram a auxiliar a guerrilha, deixaram de ser espectadores para se tornarem a principal personagem do triunfo da Revolução.
O movimento não possuía estratégias bem definidas: a tática era fazer da Sierra Maestra a base da guerrilha, muito embora houvesse em vários pontos da ilha focos insurrecionais, e através de pequenos ataques e sabotagens às forças de Batista, conquistar espaços e moral revolucionária. Através da adesão da população, sobretudo camponesa, e da propaganda revolucionária, a guerrilha se fortalecia, avançava pela região oriental da ilha, desmoralizava Batista e ganhava notoriedade internacional, como no caso do sequestro do campeão de automobilismo Juan Manoel Fangio em 1958, por ocasião do Grande Prêmio de Cuba que teve de ser suspenso .
A essa altura o exército rebelde já possuía grande contingente, sendo dividido em colunas, a primeira delas entregue a Che, a segunda a Raúl, a terceira a Juan Almeida e a última ao comando de Camilo Cienfuegos, ficando Fidel no comando geral da Revolução. A rebelião já ameaçava o regime ditatorial e, dessa forma, foram mobilizados dezenas de milhares de soldados numa ofensiva à Sierra Maestra, contando com blindados e aviões bombardeiros norte-americanos. A estratégia de resistência dos rebeldes, no entanto, infligiu ao exército de Batista grandes perdas humanas, físicas, materiais e psicológicas, além de reforçar a estrutura rebelde com os armamentos e materiais militares expropriados. Diante dos abalos sofridos por Batista, a guerrilha passava da posição defensiva para a ofensiva, e assim as colunas de Raúl e Almeida foram destacadas para reforçar as posições orientais, já praticamente livres, e iniciar o trabalho humanitário de construção de escolas e hospitais; já as colunas de Che e Camilo se mobilizaram para o ocidente, com os objetivos de dividir a ilha em duas partes, declarando a oriental sob comando do exército revolucionário, e avançar em direção a Havana, capital do país. Neste momento, Batista já estava desesperado. Convocou eleições fraudulentas, assassinou presos políticos, e tentou sua última cartada para frear a coluna de Che que avançava em direção à capital, enviando um trem blindado com grande contingente militar à cidade de Santa Clara, tomada por Che. Antes mesmo de tomar posição, o trem foi descarrilado, promovendo um grande revés à operação, na qual a maioria dos soldados entregou suas armas sem resistência diante do cerco dos rebeldes e da consciência que já os acometia, fazendo-os crer na vitória de um exército legitimado pelo povo sobre o regime tirano que eles estavam defendendo.
Em 31 de dezembro de 1958 Batista fogiu do país, as colunas de Che e Camilo entraram em Havana em 3 de janeiro de 1959 sem encontrar resistência, uma greve geral foi organizada para desarticular as poucas mobilizações dos militares que haviam assumido o governo e a 8 de janeiro de 1959, o país inteiro comemorava a chegada de Fidel a Havana, saudado por todo o povo cubano que vibrava com a fuga de Batista e o triunfo da Revolução.

5 – A Construção de um Novo País

Após a vitória sobre a ditadura de Batista os desafios apenas começavam: era preciso reconstruir um país há mais de três séculos sob exploração estrangeira, a princípio espanhola e em seguida norte-americana. Fragilidade institucional, dependência econômica, corrupção, miséria, desemprego, analfabetismo, prostituição, jogo, enfim, um país desgraçado, sobretudo devido à violência imperialista e à hegemonia imposta com a subserviência política promovida pelas elites conservadoras locais refugiadas nos EUA, principalmente em Miami – de onde passaram a promover as ações publicitárias e terroristas contra Cuba.
Após instaurar um novo governo no qual Fidel assumiu a função de primeiro ministro, os primeiros passos foram acabar com as instituições que apoiavam Batista, o congresso eleito de forma fraudulenta e a polícia, confiscar seus bens e punir os colaboradores do seu regime. Para isso foram instaurados tribunais que contavam com a participação do povo sedento por justiça, ou vingança, que colaboraram na identificação de assassinos, torturadores e todo tipo de colaborador da ditadura: a pena de morte, ou paredón, foi aplicada a aproximadamente 400 pessoas, mas não sem todos os direitos de defesa , algo explorado pela mídia internacional, sobretudo dos EUA, para desclassificar o novo governo, comparando-o como apenas mais uma ditadura. Outras medidas foram imediatamente tomadas, como a redução dos aluguéis e das tarifas de serviços, substituição da moeda em combate à especulação, início das reformas na educação, saúde, etc., e o combate às drogas e aos cassinos da máfia norte-americana ligada a altos cargos políticos dos EUA, e que havia transformado Cuba num grande prostíbulo com o amplo apoio de Batista, seu exército e polícia.
Neste momento, as bandeiras revolucionárias ainda não possuíam caráter socialista, pois o programa de governo estava baseado no documento de defesa de Fidel quando esteve preso, “A História me Absolverá”. Entre as primeiras medidas do programa estava a Reforma Agrária, que expropriou os latifúndios, promoveu a distribuição de terras e organizou os camponeses em cooperativas. As outras medidas do programa eram: participação dos operários no lucro das empresas, confisco de bens malversados, política de solidariedade entre os povos latino-americanos democráticos acometidos por ditaduras . Muito antes dessas medidas os EUA já demonstravam preocupação com Fidel e seus guerrilheiros, evidenciada através de cooperação militar com o regime deposto, fornecendo armamentos, treinamento e colaborando diretamente nos bombardeios à Sierra Maestra. Batista havia se exilado na República Dominicana e de lá articulava a contra-revolução com a burguesia cubana exilada nos EUA. À medida que as ações do novo governo de Cuba caminhavam no sentido democrático, os interesses das empresas norte-americanas e da burguesia local eram contrariados, o que recrudescia os atentados contra-revolucionários a Cuba, planejados inclusive pela CIA, muitas vezes direcionados à própria pessoa de Fidel. A cada ação do governo cubano, como a nacionalização das empresas norte-americanas, United Fruits, Texaco e Esso, havia uma retaliação dos EUA, de onde partiam pequenos aviões para bombardear as plantações de cana e também a capital Havana. Nesta belicosa conjuntura, os EUA pararam de fornecer petróleo a Cuba e de comprar seu açúcar, fazendo a ilha buscar um novo parceiro na política externa bipolarizada devido à Guerra Fria, inicia-se assim o ingresso profundo de Cuba na terceira grande conjuntura internacional a que fazemos referência, pois claro estava que este parceiro seria a URSS, tendo em vista que na luta pela hegemonia internacional, esta e os EUA buscavam áreas de influência, fechando os espaços um do outro. Dessa forma, em 1961, são costuradas as primeiras relações políticas e econômicas com a URSS: esta passaria a comprar o açúcar da ilha e a fornecer-lhe petróleo. Era o início da inclinação em direção aos países do bloco socialista, que logo incluiu o estreitamento das relações diplomáticas com a China e o Leste Europeu. Soma-se a isso que, do ponto de vista geoestratégico, ter uma área de influência no Caribe, próximo aos EUA, era de grande interesse para a URSS e uma grande ameaça para o primeiro. Dessa forma, as ações contra-revolucionárias ganhavam corpo, milhares de terroristas se infiltraram no país para executar toda espécie de sabotagem contra o governo revolucionário, porém um episódio seria marcante neste sentido: em abril de 1961, desembarcaram 1500 homens na Baía dos Porcos, sul de Cuba, cubanos exilados e mercenários norte-americanos com apoio aéreo dos EUA. A resposta foi dada, a princípio, pelas milícias populares criadas para defender a Revolução e em seguida pelas tropas do exército comandadas pessoalmente por Fidel, que rechaçaram os inimigos. A imprensa norte-americana fazia seu papel na disseminação da ideia que as próprias tropas e a população haviam se voltado contra Fidel e que o mesmo havia morrido em combate. O governo dos EUA assumiu a participação na tentativa de golpe. Para resguardar a Revolução, o governo mobilizou todo o povo, além das milícias armadas foi criado o Comitê de Defesa da Revolução (CDR), organizado em cada bairro para ficar sempre vigilante contra qualquer tentativa de ações contra-revolucionárias . Neste sentido, o governo cubano infiltrou homens nas organizações contra-revolucionárias sediadas em Miami, o que evitou inúmeros atentados terroristas à ilha. E este talvez seja um dos episódios mais famosos e tristes da história cubana, pois os oficiais da inteligência cubana abandonaram suas famílias em prol da causa revolucionária; alguns foram descobertos, presos e julgados sem amplo direito de defesa, uns capitularam, porém cinco deles estão presos até hoje nos EUA. A consequência profunda de um movimento inicialmente voltado para derrubada da ditadura e implementação de medidas democráticas, foi minar as bases do capitalismo, contrariando os interesses norte-americanos e da burguesia cubana. Assim, as relações entre Cuba e EUA se deterioravam e, de forma inversamente proporcional, as relações de Cuba com a URSS se desenvolviam. Dessa forma, ao início de 1961 os EUA rompem todas as relações com Cuba decretando o embargo político e econômico que prometia, ainda, retaliar todos aqueles que mantivessem relações com a ilha; Colômbia e Venezuela aderem imediatamente . Em 1962 Cuba é expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) devido à pressão dos EUA: todos os países latino-americanos romperam relações políticas e econômicas com a ilha; mas não apenas estes, como também todo o mundo ocidental sob hegemonia norte-americana se posicionou ao lado do capitalismo na geopolítica da Guerra Fria. E neste mesmo ano o mundo se viu na iminência de uma grande guerra entre EUA e URSS que assumiria dimensões catastróficas, dado o desenvolvimento bélico, sobretudo de armamento nuclear, desses países. A URSS instalou uma base com mísseis nucleares em Cuba, descoberta pelos norte-americanos que imediatamente fizeram um bloqueio naval impedindo navios soviéticos de aportarem na ilha, acirrando as tensões. Para sorte do mundo o impasse foi resolvido de forma diplomática. Sem manter relações políticas, e principalmente econômicas, com o mundo ocidental, a única alternativa para Cuba era se aproximar cada vez mais do bloco socialista. Todavia, a aliança com a URSS e os países do bloco socialista não se limitou às questões políticas e econômicas, mas também ideológicas, pois significou a definição sólida do significado da Revolução, que agora passara a ser socialista.

6 – Desenvolvimento e Declínio do Socialismo

Praticamente isolada, as dificuldades da ilha se multiplicavam, com sua economia baseada predominantemente na monocultura canavieira; simples produtos do cotidiano desapareceram com o embargo, já que praticamente todos eram importados. A complexidade dos problemas extrapolava os acordos comerciais com a URSS, que garantia o fornecimento de petróleo e a compra do açúcar. Os meios de produção foram estatizados, mas a industrialização num país que tivera toda sua história econômica ligada à monocultura para exportação não era possível dada a falta de desenvolvimento científico e de corpo técnico qualificado para tal empreendimento: à economia não restava alternativa que não o continuísmo da indústria canavieira. Com as dificuldades econômicas, a implantação da gratuidade dos serviços públicos e a consolidação do socialismo enfrentavam dificuldades, porém à medida que Cuba rompia definitivamente com os resquícios de capitalismo e a posição ideológica do Bloco Histórico que se formava assumia feição socialista, a relação com a URSS se solidificava: no plano comercial Cuba passara a fornecer, além de açúcar, frutas e tabaco, e recebia outros produtos agrícolas, equipamentos industriais e bélicos, além de petróleo. Os acordos, todavia, deixaram de ser meramente comerciais e passaram ao plano científico e tecnológico. A partir daí a agricultura foi mecanizada e outras atividades econômicas se desenvolveram concorrendo para a diversificação econômica do país.
Ao final da década de 70 a economia cubana estava recuperada e em franco desenvolvimento, embora dependente de uma potência econômica. Mesmo assim, o socialismo se assentava em bases mais sólidas: no plano social Cuba alcançava resultados vistos apenas em países ricos, o esporte e a cultura foram integrados à educação, logrou-se grande desenvolvimento no cinema, teatro, literatura e artes em geral; na saúde as ações de medicina preventiva substituíram as políticas de remediação, que favoreciam as grandes indústrias farmacêuticas. A Revolução chegara à sua plenitude e ganhava cada vez mais o apoio popular, enquanto as ações contra-revolucionárias perdiam força. A partir de 1976 o sistema político foi organizado em forma de Poder Popular, ou seja, qualquer cidadão poderia se candidatar para as assembléias municipais, que elegem os membros das assembléias provinciais, e que por sua vez elegem a Assembléia do Poder Popular, isto é, a assembléia nacional. Embora o país possua apenas um partido, os cidadãos não precisam estar afiliados a ele para concorrerem a um cargo público, pois suas campanhas são igualitárias, públicas e arcadas pelo Estado.
No plano político internacional, a Revolução Cubana representou um grande exemplo na luta contra os imperialismos, não apenas para os países da América Latina, mas para todo terceiro mundo. Este fenômeno preocupou os EUA ao ponto do mesmo patrocinar ditaduras militares por todo o continente para afastar a “ameaça comunista”, pois mais ameaçador do que o exército e as armas cubanas foi a ideologia socialista vencedora em Cuba. Pode-se afirmar ter sido esta a primeira grande derrota – a segunda seria o fracasso na Guerra do Vietnã – dos EUA no contexto da Guerra Fria, fato agravado pelo fato dessa nação socialista estar no continente americano, e a apenas 140 km da Flórida. De forma solidária, Cuba apoiou todos os movimentos contra as ditaduras, estivessem elas na América Latina, principalmente na América Central, ou na África, onde a presença de Che demonstrava toda sua coragem revolucionária, lutando no Congo. Posteriormente, Guevara foi morto em 1967 na Bolívia, pelo exército desse país, mas com apoio de militares norte-americanos. Se outras experiências socialistas não obtiveram êxito na América Latina nas décadas de 60 e 70, como desejava Che no seu projeto de disseminação da Revolução e da luta antiimperialista, à exceção da Nicarágua, isso se deve, em parte, à violência dos governos ditatoriais contra os movimentos desta natureza, graças ao apoio norte-americano que não intencionava perder outra batalha na Guerra Fria, e à eficácia dos mecanismos de cooptação e alienação da sociedade de consumo capitalista, que entorpecem a maior parte das populações latino-americanas.
A queda do bloco comunista em 1989 e a desintegração da URSS em 1991 inauguraram uma nova fase na história de Cuba, e este momento ficou conhecido como “período especial”. Com isso Cuba perdia seus principais parceiros comerciais e a estabilidade econômica garantida por acordos sólidos que ignoravam a volatilidade dos preços internacionais. A exportação de açúcar diminuiu drasticamente, a importação de todo tipo de artigo de consumo idem, mas acima de tudo, o petróleo garantido pela URSS foi reduzido à metade . Este evento não apenas impedia o processo embrionário de industrialização do país, mas principalmente, mergulhava a sociedade num período de grande dificuldade, no qual o abastecimento de produtos básicos foi comprometido, a dieta do cubano foi alterada sobremaneira e o racionamento de energia deixava as cidades em longos períodos sem luz. Diante das dificuldades, a imprensa internacional, os setores conservadores cubanos e os EUA contavam as horas para a queda do governo de Fidel. Para superar a crise, Cuba foi obrigada a fazer mudanças no sistema econômico, abriu as portas para o capital estrangeiro, principalmente para serem aplicados no turismo que passou a ser a principal fonte de divisas para o país, permitiu pequenas propriedades privadas e quebrou o monopólio sobre o plantio da cana-de-açúcar, organizando os produtores em cooperativas e permitindo que estes comercializassem a produção excedente. O país passou a conviver com duas moedas, o Peso Cubano com baixo poder de compra, e o CUC, na qual as transações na indústria do turismo ocorrem, alterando significativamente o poder de compra de quem possui moeda forte ou fraca. Estas modificações introduziram na sociedade cubana certas diferenças econômicas: as pessoas que possuíam pequena capacidade material para explorar a indústria do turismo, como possuir um carro e transformá-lo em taxi, ou a habilidade com os artesanatos aproveitada com a possibilidade de construir uma propriedade privada, lograram certa vantagem em relação aos demais. A diferenciação econômica entre os indivíduos não é suficiente para criar classes antagônicas, contudo a diferença do nível de vida é visível e amarga ao socialismo cubano. Os que vivem do turismo ganham mais do que os médicos e professores, principais atores no conjunto dos direitos sociais, pois recebem em pesos cubanos, e os primeiros em moeda forte (CUC). Em Havana há um sem número de desocupados que preferem arrancar um dólar por dia do turista a trabalhar, pois assim ganharão mais do que muitos professores e médicos, ou dedicar-se à venda de charutos e rum falsificados ou contrabandeados das fábricas. Existe venda de drogas e prostituição, porém voltados principalmente para os turistas; o pleno emprego não é mais uma realidade, a habitação e o transporte público são insuficientes, mas ao contrário dos países de sistema capitalista, em Cuba os direitos mais fundamentais são garantidos gratuitamente. As insatisfações ocorreram, contudo não o suficiente para implodir o sistema socialista cubano, muito bem defendido pelas lideranças revolucionárias e construído em bases sólidas, e que havia exterminado com a ditadura de Batista, acabado com a exploração capitalista, expulsado a máfia, erradicado o analfabetismo, criado sistemas educacionais e de saúde de primeiro mundo. Dessa forma, o apoio da população foi incondicional, e mais uma vez determinante. Destarte, podemos acreditar que a permanência das lideranças da Revolução no poder, a ampla democratização dos direitos sociais e a garantia mínima de vida mesmo num período de grave crise – ao contrário do que ocorreu no leste Europeu e na URSS, onde a solução foi aderir à economia de mercado, o que causou grandes danos à sociedade – foram responsáveis pela manutenção do governo socialista, ao contrário do esfacelamento que ocorreu com o restante do bloco socialista na Europa.

7 – Conclusão

Cuba talvez seja o exemplo mais claro do reflexo dos movimentos políticos e econômicos conduzidos pelas potências econômicas nas três conjunturas internacionais que citamos, e das dificuldades impostas aos países da América Latina por estarem a reboque destes: primeiro pela colonização espanhola, através da violência, do sistema de exploração econômica baseado na monocultura canavieira, e da escravização, sobretudo de africanos; segundo, pelo imperialismo norte-americano e suas intervenções militares, sabotagens, e bloqueio econômico; e terceiro, pela retaliação sofrida no contexto da Guerra Fria em função do ingresso de Cuba no bloco socialista. Esses problemas foram enfrentados, em maior ou menor grau, por todos os países da América Latina, porém podemos dizer que em Cuba suas cores e formas foram mais nítidas. Cuba foi um dos últimos países a se tornar independente na América, com as intervenções norte-americanas se dando de forma maciça e prolongada. As retaliações através da propaganda anti-socialista persistem até os dias de hoje, somando-se a isso o fato de que Cuba é o único país da América submetido a um embargo político e econômico que dura desde 1961, responsável certamente pelos principais problemas enfrentados pela ilha.
A independência cubana chegara de fato apenas em 1959, já que em 1898, ao expulsar os espanhóis à custa de centenas de milhares de pessoas, sua soberania foi retirada à força pelos EUA, inaugurando uma nova fase de dominação estrangeira. Em 1959, sob a liderança de Fidel Castro e Che Guevara, ente outros, Cuba inicia sua verdadeira experiência democrática. As dificuldades de implantação de um sistema socialista num país subdesenvolvido foram grandiosas, ao contrário do que Marx preconizava, ou seja, o socialismo como superação do modo de produção capitalista desenvolvido, o socialismo cubano se assentou numa economia agro-exportadora. Além do mais, o imperialismo norte-americano instalado na ilha há mais de meio século associado à burguesia local dificultava este empreendimento. É certo que, a princípio, a Revolução tinha apenas o objetivo de despojar o regime ditatorial de Batista e restabelecer a democracia, porém isto causou uma ruptura com o sistema capitalista de tal forma que empurrou a ilha em direção ao bloco socialista, e ao socialismo. A adesão ao bloco socialista não lhe proporcionou autonomia, pois da forma como se deu, ou seja, fornecendo de bens primários em troca bens acabados, viu impedido e defasado o seu processo de industrialização. Foi apenas com esses laços, contudo, que Cuba logrou solidificar os objetivos da Revolução de 1959, passando de um país sem soberania, dominado pelo imperialismo norte-americano em conluio com a burguesia local representada por governos corruptos e refúgio de mafiosos, a uma das nações mais igualitárias do mundo, onde direitos sociais são universais, a miséria e o analfabetismo foram erradicados, a educação, a saúde, a cultura, o esporte e o lazer são gratuitos e de qualidade, conferindo a Cuba índices de primeiro mundo no que se refere à qualidade de vida. A queda do bloco comunista, todavia, abalou consideravelmente essa superestrutura , fazendo muitos pensar que o socialismo havia chegado ao fim e que Cuba estaria arruinada. O socialismo cubano não chegou ao fim, muito ao contrário, ainda é o maior expoente de luta contra o capital que conhecemos, muito embora sobreviva com graves mazelas às dificuldades econômicas que se seguiram à deterioração dos serviços públicos. A introdução da pequena propriedade privada concorre para criar desigualdades sociais, o que, no entanto, nem de longe significa a exploração de uma classe sobre outra. Todavia, a grande coesão social com a qual toda população trabalhava em prol da sociedade foi abalada , pois agora muitos trabalham individualmente pelo seu futuro, e não de forma coletiva para o futuro de todos. As novas gerações não conviveram com os dias gloriosos da Revolução, mas ao contrário, vivem numa conjuntura econômica e social debilitada e sob influência da sociedade de consumo propagandeada pelas rádios e TV`s norte-americanas que chegam a Cuba. Soma-se a isso o contato com pessoas de outros países, devido à abertura ao turismo, que alimenta os seus sonhos materiais. Os desafios para Cuba manter as conquistas da Revolução são grandes, embora o Estado e o Partido Comunista Cubano mantenham em bases sólidas essa premissa. O mais importante é que a democracia social e o sistema socialista não estão ancorados num governo, ou numa elite, mas sim em todo o povo. A Revolução Cubana é um orgulho para todos, o que lhe confere legitimidade e fôlego para enfrentar estes desafios, e da mesma forma que Cuba reflete mais nitidamente os problemas impostos aos países da América Latina, é lá também que a democracia assume sua forma mais nítida, mas apenas para quem sabe enxergar.









Bibliografia

COX, Robert W. “Gramsci, Hegemonia e Relações Internacionais: Um Ensaio sobre o Método”. In: Gramsci, Materialismo Histórico e Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2007. Organizado por Stephen Gill.

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2008.


GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1989.

PERRAULT, Gilles. O Livro Negro do Capitalismo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000.

SADER, Emir. Cuba: Um Socialismo em Construção. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2001.

Sites:

http://www.cubagob.cu/ - Sitio del Gobierno de la República de Cuba

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

República Bolivariana da Venezuela por Patrícia Barboza

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Macaé
Graduação em História







Patrícia Barboza
Quarto Período







República Bolivariana da Venezuela
Matéria: História da América
Professor: Victor







Macaé/RJ
Novembro 2011.




É creditado ao navegador Américo Vespúcio o nome “Venezuela”. Os índios locais, ao longo das margens do lago Maracaíbo, viviam em casas sobre palafitas e isso trouxe à sua mente os palácios de Veneza; assim, ele denominou essa região de "pequena Veneza", que é o significado do vocábulo.
Após cerca de trezentos anos como colônia do reino de Espanha, a Venezuela conseguiu sua independência em 05/07/1811, após um processo histórico cuja análise não é o foco deste trabalho. Proclamada a independência pela Sociedade Patriótica e formado o Congresso da República, Simon Bolívar assume o comando da nova nação.
Constituída como república federativa, a Venezuela é composta por 22 Estados e o Distrito Federal, além de 72 ilhas no Caribe. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, eleito para um mandato de seis anos, com direito à reeleição. As eleições presidenciais venezuelanas são disputadas em um único turno.
O estudo do caso venezuelano de 1950 aos dias de hoje pode ter como introdução a seguinte análise:

A partir de 1949/1950 a Venezuela iniciou um grande salto econômico, pela intensificação da produção de petróleo e início de um processo de industrialização proporcionada pela presença do Estado, influenciado pelas idéias da CEPAL. Acelerou-se o processo migratório procedente da Europa, aportando mão-de-obra especializada, novos empreendedores e capitais (HARDY, 2003, p. 562) .

No início do crescimento do petróleo na economia venezuelana se deu entre 1920 e 1938 e foi progressivamente regulamentado por sete leis que aumentavam gradativamente a participação do Estado na renda gerada por essa extração.
Em novembro de 1939, um tratado de reciprocidade comercial foi firmado entre o país e os Estados Unidos, ampliando as exportações petrolíferas para o mercado norte americano. Esse tratado se transformou em um entrave para o crescimento venezuelano, atrelando suas práticas comerciais aos EUA e impedindo o desenvolvimento e um significativo acúmulo de capital no país. O Estado utilizou as rendas provenientes do petróleo para aumentar o bem estar da população. Áreas como as de saúde, educação e obras públicas receberam significativos investimentos públicos.

O sistema de saúde da Venezuela alcançou níveis de excelência e se transformou em referência mundial. O malária ou paludismo, a febre amarela e enfermidades gastrointestinais foram reduzidas de forma significativa. É importante ressaltar que os serviços eram oferecidos de forma gratuita para toda a população.
Em 1943, a Lei dos Hidrocarbonetos consolida a política que seria utilizada no caso do petróleo explorado no país.
O ano de 1948 é um marco para a história do país, pois a Venezuela tornou-se o maior exportador mundial de petróleo. Em decorrência, aconteceram transformações fiscais e o aumento da produção interna junto com o aumento dos preços internacionais do petróleo, conseqüência do fim da Segunda Guerra Mundial. O que se projetava como um período de alta não se confirmou, pois os gastos públicos do país sofreram um aumento de 30%.
A “Convención Nacional de Petróleo”, realizada em Caracas no ano de 1951, projeta o país como produtor internacional do petróleo e com grande capacidade de extração.
No ano de 1952 ocorrem eleições presidenciais, vencidas por Jovitó Villalba; mas uma manobra eleitoral levou ao poder o coronel Marcos Pérez Jiménez. De perfil autoritário, baseou sua política econômica na doutrina do bem comum, formando na população uma consciência nacional voltada para a grandeza e o desenvolvimento da pátria. Obras de infra-estrutura foram realizadas na Venezuela, como a construção de edifícios públicos, estradas, pontes, a cidade Universitária de Caracas, a Biblioteca Enrique Tejera Del Ateneo de Valencia, o Hospital Central de Valencia, a Maternidade Concepción Palácios em Caracas, o hotel Humboldt, os teleféricos das cidades de Caracas e de Mérida: todas essas obras graças à exportação do petróleo. Organizou-se a educação primária, média e superior e criaram-se os serviços nacionais de saúde com atendimento gratuito.
Até 1958, a participação estatal nos lucros se mantém constante e sem sobressaltos, mas uma nova lei estabeleceu uma alíquota do Imposto de Renda de 45% sobre os lucros petroleiros, inundando os cofres estatais com uma renda até então inimaginável.
Rômulo Bettancourt é o novo presidente a partir de 13/02/1959. Continua a promover o desenvolvimento econômico aproveitando das rendas do petróleo para industrializar o país e substituir as importações por um protecionismo nacional.
Em 13 de março de 1964 Raúl Leoni assume a presidência. O PIB cresce 13% em 1964 e nos anos seguintes esse crescimento é consolidado. Em razão da situação econômica favorável, os gastos públicos continuam aumentando até que as despesas superam as receitas, configurando-se uma crise econômica que traz a reboque uma instabilidade institucional. Como o governo venezuelano decide não cortar gastos supérfluos, o presidente aprova uma reforma tributária no sentido de aumentar artificialmente a balança comercial. Mas já em 1968 o Estado opera com um déficit público no valor de 41 milhões de bolívares. A balança comercial, todavia, se estabiliza e o governo retoma uma certa estabilidade econômica no país.
Leoni mostrou preocupação com a geração de energia elétrica, crucial não somente para o abastecimento da população venezuelana, mas também muito importante para o funcionamento do setor industrial, que apresentou crescimento. A produção agrícola também cresceu. Na educação, deu ênfase à alfabetização e à educação primária. Na área de saúde e de seguridade social ocorreram modernizações. O bom desempenho econômico foi provocado pela continuidade das políticas anteriores e pela conjuntura internacional favorável, que estimulava a produção e a exportação de petróleo.
Rafael Caldera (1969/1974) herdou a Venezuela em condições favoráveis de governabilidade: pacificação econômica, equilíbrio dos poderes públicos e disciplina fiscal foram as características de seu mandato.
Em 1973, mesmo com os baixos preços do petróleo, a economia venezuelana vinha crescendo rapidamente e sua renda per capita era uma das mais altas da América Latina. Com a elevação os preços do petróleo, paradoxalmente, esse país entrou nos anos de 1980 com grandes dificuldades econômicas. Isso decorreu das políticas do Governo Rafael Caldera, que empreendeu uma série de ações econômicas adversas no que concerne ao crescimento e ao desenvolvimento econômico. Como será visto a seguir, a Venezuela não conseguiu tirar proveito da abundância de divisas proporcionadas pelo petróleo para promover maior crescimento econômico com melhorias sociais.
Já em 1974 a Venezuela apresenta um significativo aumento de produtividade, possuindo uma população em idade ativa com alto nível de educação formal. Esse dinamismo se dá em função do aumento da renda petrolífera, cuja resultante é a expansão das atividades da indústria e de serviços, além de uma urbanização acelerada.
A PDVSA foi criada por um decreto lei de 30/08/1975, entrando em vigor 01/01/1976, e tinha por objetivo principal extrair e regular o processo de exploração do petróleo no país. Foi criada tendo uma empresa holding com 14 subsidiárias; antes do final da década de 1970, essas subsidiárias reduziram-se para três (Lagoven, Maraven e a Corpoven).
Porém, com o aumento dos gastos públicos no período de 1974/1998, o lucro da principal fonte de geração de divisas da Venezuela diminui. O governo recorre à desvalorização cambial. A inflação aumenta a produção diminui. E a renda per capita e a produtividade do trabalho caem. O PIB encolhe, embora o estoque de capital bruto tenha aumentado. O desempenho econômico da Venezuela é influenciado pela renda petrolífera. Essa desaceleração econômica agravou-se em 1982 e em 1989 o país adotou um plano ortodoxo de estabilização imposto pelo FMI. Caso que será citado mais à frente.

A Venezuela é um dos maiores países da América do Sul, com quase 27 milhões de habitantes, distribuídos especialmente por grandes cidades, como Caracas, Maracaibo e Valencia. Em 2005, o PIB do país alcançou US$ 131 bilhões (ALADI, 2007); aproximadamente dois terços do PIB, das exportações e da arrecadação fiscal vêm da exploração de petróleo. As reservas de petróleo e gás da Venezuela colocam o país em quinto lugar entre os grandes produtores mundiais. Esse recurso natural tem, portanto, grande peso na economia venezuelana, explicando o dinamismo do crescimento da sua economia (MARCANO & TYSZKA, 2006) .

A Venezuela, de 1958 e 2002, não passou por ruptura em sua estrutura política. O Pacto de Punto Fijo (1958-1998) foi um período de repressão, principalmente os anos da década de 1960, com a luta guerrilheira na Venezuela. Um momento que retrata perfeitamente esse período foi o Caracazo , onde milhares de pessoas foram assassinadas durante a repressão do governo às manifestações populares em Caracas. Carlos Andrés Pérez, em obediência ao FMI, aplica medidas duras na economia do país, como o aumento preços dos transportes públicos. Isto revoltou a população e Carlos Pérez decreta a suspensão das garantias constitucionais e o Exército toma as ruas de Caracas para reprimir essa revolta, deixando um saldo de mais de três mil mortos.
Em 1992 as revoltas militares contra o governo de Carlos Pérez se intensificam. É nesta ocasião que surge uma nova liderança no país, o tenente-coronel Hugo Chávez Frias. Chávez comanda um levante armado, que é derrotado e lhe acarreta dois anos de encarceramento. Mas, com o apoio popular, ganha as eleições de 1998. Nesse período a economia do país, depois de quatro anos de vigência do plano imposto pelo FMI, apresenta salários reais do setor formal com queda de 84% em relação aos níveis de 1989, com aumento dos níveis de pobreza. Mesmo assim, o PIB cresceu 5,5% entre 1989 e 1993.
A principal promessa de Chávez em sua plataforma eleitoral foi a nacionalização das atividades que envolviam o petróleo, aumentando a riqueza nacional através do controle estatal completo da PDVSA. Chávez recebeu de Rafael Caldera a economia em uma situação muito difícil, tendo em vista que o petróleo, a maior fonte de receita do país, estava com os preços muito baixos.
Em 1999 a Venezuela promulga uma nova Constituição. Os ataques da oposição conservadora ao governo, orquestrados através da mídia privada alinhada a interesses forâneos, vão se acirrando pouco a pouco e iriam redundar na tentativa de golpe que ocorreria mais adiante. Em 2001, a oposição articulada se prepara para assumir o controle do país, mas o governo decreta as 49 Leis Habilitantes, pelas quais o executivo controla as terras, a pesca e os hidrocarbonetos. Essas leis regulamentam a Constituição, mas contrariam parcelas importantes dos setores dominantes e oposicionistas. A partir deste momento, a disputa pelo poder no país se radicaliza, culminando com o golpe de estado de abril de 2002.
O ano de 2002 traz as para as ruas de Caracas o acirramento e a clivagem das posições políticas do país. Junto a este cenário de mobilização nas ruas, teve início o “goteo militar”, ou o golpe em conta-gotas, no qual os comandantes das Forças Armadas emitiam pronunciamentos contrários ao presidente Chávez, lançando assim um conjunto de senhas para dentro e para fora dos quartéis sobre o golpe que se avizinhava.
O final de 2001 já marcava o início de uma disputa aberta pelo controle do Estado e representativamente o controle da “Petróleos de Venezuela S.A”. É esta a parte mais visível desta disputa. Por um lado o governo afirma seu direito de nomear a direção da empresa, por outro a gerência da empresa em oposição à política imposta reage e resiste. Na verdade a questão era “quem manda no petróleo” que ali estava colocada com toda a radicalidade. Este conflito é o articulador da ação da classe dominante que a partir do final de 2001 passa a atuar de maneira decidida e cada vez mais unida para derrubar o governo de Hugo Chávez. O detonador dos últimos momentos desta disputa foram as demissões de sete altos gerentes de PDVSA pelo Executivo.
Essas demissões são anunciadas no domingo, 7 de abril de 2002, durante o programa “Alô Presidente”. Neste mesmo dia os líderes da oposição se reuniram e convocaram uma paralisação em todo país em solidariedade aos gerentes demitidos. Na segunda-feira, 8 de abril, a paralisação é convocada para o dia 9. No primeiro dia de paralisação não se alcança a amplitude desejada, mas no dia seguinte uma marcha da oposição caminha por Caracas até a sede de PDVSA. O plano do golpe de estado já está em execução. A marcha da oposição é desviada para Miraflores, onde milhares de partidários do governo estavam concentrados. Quando chegam ao centro da cidade, diversos manifestantes de ambas as concentrações são mortos em uma troca de tiros. Estes mortos são utilizados pela oposição para desconhecer a autoridade do governo Chávez e exigir sua renúncia.
Pedro Carmona chega ao poder em 12 de abril e são colocadas em prática um conjunto de medidas repressivas. O primeiro e único decreto do governo de Pedro Carmona, emitido neste dia, caracteriza-se pelo autoritarismo. São suspensos de seus cargos todos os deputados da Assembléia Nacional, bem como as leis promulgadas em novembro de 2001. O presidente assume plenos poderes para destituir e nomear qualquer funcionário público. O primeiro decreto do novo governo se caracteriza pela profundidade de suas ações repressivas, que em um único documento removiam os principais representantes dos poderes públicos do país. Para assegurar a construção do novo regime desenhado neste decreto, seriam fundamentais medidas repressivas em muitos níveis.
A partir do dia 12 de abril diversas manifestações de rua ocorreram contra o novo regime, exigindo a volta do presidente eleito, já que pairava dúvida sobre a sua renúncia e sobre as acusações repetidas na mídia acerca da responsabilidade dos chavistas nas mortes do dia anterior.
Os bairros populares no mesmo dia iniciaram a revolta contra o novo regime, sendo reprimidos pela polícia metropolitana. A mídia passa a divulgar imagens de militantes chavistas disparando e imagens dos mortos na manifestação. Assim, os meios de comunicação, apoiando golpe (RCTV, Globovision, Venevision) difundem de forma exaustiva que os militantes chavistas, seguindo ordens expressas do presidente deposto, haviam disparado contra uma manifestação pacifica da oposição. Estas imagens foram utilizadas tanto para consumar o golpe quanto para justificar a repressão do dia seguinte. Tomando como pretexto a busca dos assassinos e seus mandantes, tanto os altos funcionários do governo quanto os militantes chavistas tiveram suas casas invadidas na busca pelas armas utilizadas no confronto.
No ano de 2001, Hugo Chávez havia organizado a formação dos círculos bolivarianos, para formar a base de apoio ao projeto de transformação por ele comandado. Esta era a denominação dos espaços de reunião do Movimento Bolivariano Revolucionário, organização fundada por Chávez, inicialmente integrada pela classe militar, mas que após as insurgências de 1992, passam a se constituir em organizações de massa.
A repressão do governo recém empossado era contra esses círculos. Eram 200 mil círculos que totalizavam de 1 a 2 milhões de pessoas. Além de atingir diretamente esses militantes, a repressão gerava um clima de medo que não permitia que os vínculos existentes entre estas organizações bolivarianas pudessem se fortalecer para resistir ao novo regime. Altos funcionários do governo foram perseguidos, os meios de comunicação de massa foram dominados e um “show de repressão” foi montado. Os casos mais representativos foram as prisões dos deputados Tarek William Saab e do Ministro Rodriguez Chacon.
Estas práticas repressivas buscavam desarticular potenciais ameaças ao golpe de estado, reprimindo os setores populares, com especial ênfase sobre suas lideranças. Tais práticas repressivas na Venezuela violavam, como de costume em toda América Latina, os direitos humanos e neste momento esta ação se amplia e se intensifica.
O dia 13 de abril foi marcado por vários focos de protestos contra o golpe que tomaram as ruas das principias cidades do país. Tendo seu maior destaque em Caracas, as manifestações se concentraram no palácio Miraflores, nos canais de televisão e nos quartéis. Esta nova situação gerada pela revolta popular força a tentativa de composições entre determinados setores golpistas, que eram legalistas e almejavam o restabelecimento da Constituição. Com o movimento nas ruas, os insurretos não estavam dispostos a retroceder sem o atendimento de sua principal reivindicação: a volta do presidente Chávez.
As Forças Armadas estavam divididas. O Alto Comando da ala golpista dos militares consegue garantir unidade de ação, mas entre os oficiais imediatamente inferiores o consenso não era de apoio ao golpe. E eram estes oficiais, fora do núcleo duro golpista, que detinham o comando direto de tropas e poderiam cumprir um papel chave na repressão golpista. Mas estes oficiais, para não mencionar as tropas, estavam divididos. Essa divisão levava à impossibilidade de, naquele momento, as Forças Armadas serem utilizadas como uma imensa polícia capaz de tomar as ruas das principais cidades do país para impor o novo regime.
A composição social das Forças Armadas venezuelanas é mais popular do que elitista, sendo esta camada popular muito ligada aos movimentos chavistas. O presidente deposto, portanto, tinha a simpatia da base da força militar do país, mesmo não contando com o apoio de alguns comandantes, e isso era uma situação de vantagem para o presidente deposto. A demonstração desta configuração materializara-se nas revoltas militares do ano de 1992, nas quais comandados pela média oficialidade organizada dentro do Movimento Bolivariano Revolucionário, 200 setores das Forças Armadas se sublevaram contra o governo de Carlos Andrés Pérez. Mais recentemente, após a posse do governo Chávez, o novo papel designado às Forças Armadas, sua vinculação com programas sociais como o Plano Bolívar 2000, influenciou na dificuldade de utilizá-las na repressão durante o golpe.
Hugo Chávez, desde os anos 80, vinha procurando tomar o poder em nome do povo, sempre envolvido com grupos de esquerda, quer dentro das Forças Armadas ou nos movimentos sindicais e populares. Como exemplo pode ser citado o R-83, um plano de revolta militar com apoio da população formatado pela ARMA (Aliança Revolucionária de Militares Ativos).

Douglas Bravo, conhecido líder guerrilheiro, que havia sido membro do Partido Comunista Venezuelano (PCV) e organizador das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), conheceu o atual presidente da Venezuela quando construía um novo instrumento político e militar, o Partido da Revolução Venezuelana (PRV), formado por inúmeros dissidentes do PCV (Garrido, 1999: 70-77).

Em 1992, Chávez é um dos comandantes do Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR) que tenta derrubar o governo através de um levante militar, sendo, todavia, derrotado. O aspecto positivo é que o movimento torna-se conhecido em todo o país através de um pronunciamento na televisão feito por Chávez, quando ele propõe os termos para o fim da revolta. É preso por dois anos, voltando à vida política com o Movimento V República (MVR), partido político criado em 1997. Concorre à presidência e vence em 1998 com 56% dos votos. No ano seguinte faz um plebiscito para aprovar a nova constituição e tem aprovação de 71% da população. A Constituição muda o nome do país para República Bolivariana da Venezuela, em homenagem a Simon Bolívar, herói da guerra de independência, conhecido em toda América Latina como “O Libertador”.
Passado o caso da tentativa de golpe já abordado anteriormente, Chávez realiza a obrigação constitucional de um referendo para que os venezuelanos decidissem se ele deveria continuar como presidente ou deveria deixar o cargo e convocar novas eleições. É realizado em 15 de agosto de 2004 com mais uma vitória de Chávez.
A base de sustentação do governo Chávez é formada por uma ampla aliança de alguns setores da sociedade venezuelana e diferentemente do que possa parecer, não é um movimentos populista e ditatorial. Nesta base governista estão: o Partido Socialista Unido da Venezuela - PSUV; o Partido Comunista da Venezuela – PCV, fundado em 1931, é a mais antiga organização política da esquerda venezuelana ainda em atividade; Unidade Popular Venezuelana – UPV, que se diz seguidora do bolivarianismo e do marxismo, com forte influência do pensamento de Ernesto Che Guevara; Pátria Para Todos – PPT, que é uma dissidência da Causa R, partido com influência no movimento operário; Liga Socialista – LS, organização política marxista criada no início dos anos 70; Movimento Eleitoral do Povo – MEP, que é uma dissidência do partido social-democrata Ação Democrática – AD, em 1967; Pela Democracia Social – PODEMOS, surgido em 2003 como dissidência do Movimento Ao Socialismo – MAS, com uma plataforma anticapitalistas e socialistas. Além desses partidos, muitos outros movimentos participam desta chamada Revolução Bolivariana.
Logo após a vitória eleitoral de Hugo Chávez em dezembro de 2006, quando foi novamente eleito presidente da República Bolivariana da Venezuela, estas organizações decidiram lançar um comunicado no qual divulgaram suas propostas para o que consideram “uma nova etapa para o país”. No documento defendem:
1. Aceleração das transformações do Estado;
2. A municipalização do poder popular;
3. A luta sem tréguas contra a corrupção e a burocracia;
4. A aplicação e o aprofundamento da economia social e coletiva;
5. A transformação das empresas do Estado em empresas de produção social;
6. A industrialização do país sobre a base de uma nova concepção de propriedade;
7. A aceleração da guerra ao latifúndio;
8. Mais eficiência na aplicação dos programas de moradia popular;
9. Implementação de um novo modelo educacional;
10. A institucionalização da ética e da moral revolucionárias;
11. A convocação das bases chavistas para um debate participativo sobre a construção do partido da revolução.




Nas palavras de Chávez:
É um partido que nasce orientado por importantes princípios, tais como:
1. O de ser um instrumento de unidade das diversas forças sociais e políticas na defesa da revolução e do socialismo;
2. A consciência de que os instrumentos políticos são transitórios e devem marchar ao ritmo do processo revolucionário;
3. De que deve ser uma expressão da diversidade das forças revolucionárias ao mesmo tempo em que vai lutando contra o corporativismo e o partidismo/grupismo das organizações para fortalecer a estratégia socialista;
4. Não repetir os erros do passado e construir um caminho próprio valorizando as experiências anteriores;
5. Garantir que as lideranças sejam eleitas e referendadas pela base, criando mecanismos para evitar a existência de uma cúpula dirigente que se perpetue na condução da organização;
6. Estruturar o partido através do trabalho de organização na base, nos bairros, vilarejos, comunidades, municípios e fazer com que a militância assuma tarefas concretas nas lutas de massa;
7. Ter a clareza de que não se trata de um partido cujo objetivo central são as eleições, ainda que o mesmo se prepare e participe das mesmas defendendo a revolução e o socialismo;
8. Intensificar a batalha de idéias em torno da defesa do projeto socialista;
9. Estimular e desenvolver experiências socialistas e de poder popular nas comunidades rurais e nos espaços urbanos;
10. Impulsionar a transformação do modelo econômico e ir criando as condições para socializar a economia e gerar novas relações de produção ao proletariado.


Em 2006, a renúncia do Vice Presidente e Ministro da Defesa Ramón Carrizales, da Ministra do Meio Ambiente Yubirí Ortega e do Presidente do Banco da Venezuela Eugênio Vasquez Orellana, todos alegando motivos de saúde, foi a demonstração de que uma crise interna se desenvolvia dentro do governo chavista. O principal motivo desta crise foi o fechamento de seis redes de televisão venezuelanas por determinação do governo federa, em razão de não terem transmitido o discurso presidencial pela comemoração do 23 de janeiro, data que marca a derrubada do ditador Marcos Perez ocorrida em 1958. Essa medida desencadeou uma manifestação estudantil que atacou principalmente o fechamento da RCTVI ( Radio Caracas de televisão Internacional). Mesmo sendo uma medida legal, o fechamento foi considerado um ato ditatorial e que feria a liberdade de expressão na Venezuela. Essa manifestação foi agregando diversos outros protestos como a alta inflação, o péssimo sistema elétrico e de águas das cidades e ainda a elevada corrupção do governo e sua grande burocracia. Em contra-partida, os índices de aprovação do governo estão na faixa de 60%. Na verdade e crise é clara e o governo é colocado sob pressão.
O sentimento de cumprimento das leis sempre esteve presente no cotidiano do atual momento venezuelano, desde a consulta popular para uma nova constituição até os constantes plebiscitos e referendos, recurso constantemente utilizado pelo governo de Hugo Chávez para manter o caráter popular de seu governo. Nos últimos 20 anos, quinze consultas populares foram realizadas, e isso pode justificar a dureza de decisão ao fechar as emissoras.
A briga midiática de inicio de novo governo levou o Estado a investir em uma rede oficial de televisão polarizando a mídia venezuelana entre duas emissoras: a estatal “Venezolana de Televisión – VTV” e a “Globovisión”.
Essa polarização não gera um debate, um confronto de idéias ou uma busca por conciliação. Os discursos são isolados e cada emissora tem seu público definido que luta e protesta dentro de suas convicções isolacionistas.
A Venezuela, nos últimos dois anos, assinou diversos acordos bilaterais de cooperação com a República Islâmica do Irã e com a Confederação Russa. Entre eles a criação de um banco binacional com o Irã, além do estabelecimento de campanha conjunta para a exploração de petróleo. Com a Rússia, convênios visando à construção de uma central atômica e também um banco binacional e os planos de cooperação nuclear. Após o acidente nas usinas nucleares de Fukushima, situadas no Japão, tais projetos congelados.
Para finalizar, um quadro demonstrativo da Venezuela para auxiliar na interpretação dos fatos narrados.


GEOGRAFIA
Área 912.050 km².
Hora Local -1:30h em relação à Brasília
Clima Tropical, quente e úmido
Capital Caracas
Principais Cidades Caracas, Maracaibo, Valencia,
POPULAÇÃO
Habitantes 27.365.743 (estimativa 2011).
Nacionalidade Venezuelano
Composição Espanhóis, Portugueses, Italianos, Árabes, Alemães, Africanos e indígenas.
Idiomas Espanhol (oficial), dialetos regionais.
Religião Católicos 96%, Protestantes 2%, Outros 2%
GOVERNO
República federal.
Div. Administrativa 23 estados.
Presidente Hugo Chavez Frias
Principais partidos Democratas Cristãos, Um novo Tempo, Aliança do Povo Bravo, Ação Democrática, Pela Social Democracia, Justiça Primeiro.
Legislativo Unicameral - Assembléia Nacional, com 165 membros eleitos por voto popular para mandato de cinco anos.
Constituição 1999.
ECONOMIA
Moeda Bolívar Forte
Cotação US$ 1 4,29 (março de 2011).
PIB US$ 285,2 bilhões (estimativa 2010).
Inflação 29,8% (estimativa 2010)
Desemprego 12,1% (estimativa 2010)

• Fonte: Banco Mundial, Time and Date, IBGE, Banco Central do Brasil, CIA, Nações Unidas.


Bibliografia

RIBEIRO, Vicente Neves da Silva. 11 e 12 de abril: um ensaio. Golpe e terrorismo de estado na Venezuela do século XXI. IX Encontro Estadual de História da Associação Nacional de História, seção Rio Grande do Sul.
SOUZA, Romina Batista de Lucena de. “Fatores do Crescimento Econômico da Venezuela, 1950/1998”. In: Revista Análise Econômica, Porto Alegre, ano 26, n. 49, p. 65-86, março de 2008

RABAT, Mácio Nuno. A Militaziação da Venezuela e o Mercosul. Biblioteca digital da Câmara dos Deputados. 2010.

ARAÚJO, Rafael & BRUCE Maria. “A Crise na Venezuela: Mídia e Revolução”. In: Revista Eletrônica Boletim do Tempo. Ano 5 nº 3, Rio. 2010.