quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A personalidade feminina da Guarda Municipal de Macaé. Salvando vidas e fazendo história. (Um relato sobre a tragédia de janeiro de 2011 em Nova Friburgo).

A personalidade feminina da Guarda Municipal de Macaé.
Salvando vidas e fazendo história.
(Um relato sobre a tragédia de janeiro de 2011 em Nova Friburgo).

A estarrecedora tragédia acontecida na região serrana do Estado Rio de Janeiro, na madrugada de 11 para 12 de janeiro de 2011, chocou o país com estatísticas e imagens impressionantes. Mas a mídia cobriu está catástrofe de forma ampla e em um aspecto geral dos acontecimentos. Mas muitas histórias particulares aconteceram, histórias de caráter particular e solidário, mas que faz parte do conjunto de fatos que formaram essa tragédia. Uma visão particular, impressões pessoais que, também, retratam centenas de histórias e de sentimentos também pessoais.
Busco escrever sobre a História Pessoal, a Micro História e a História Oral, para romper os paradigmas da História tradicional, a História dos grandes nomes e a História dos vencedores. Desde o advento desta nova História preconizada pela Escola do Annales que os relatos pessoais e a História Cultural passaram a integrar a História Moderna. É a humanização da História e a aproximação com o seu objetivo, que é esclarecer as pessoas.
Na noite do dia 12 de janeiro de 2011 toda a mídia reportava a tragédia acontecida na região serrana do Estado do Rio de Janeiro. As cidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foram as mais atingidas. Na cidade de Macaé distante 120 km de Nova Friburgo uma Guarda Municipal se emocionava com a tragédia a GM (Guarda Municipal) Laila que representava um pequeno grupo de mulheres que atuam de forma efetiva nas ações da Guarda Municipal.


A manhã do dia 13 de janeiro de 2011 foi marcada pelas manchetes da tragédia:
Diário do Nordeste - Fortaleza
“Dilúvio no Rio causa 271 mortes"
Correio Braziliense - Brasília
“Tragédia e omissão"

Hoje em Dia - Belo Horizonte
“Tragédia que se repete"
Estado de Minas - Belo Horizonte
“Temporais matam mais de 270 no Rio"

Correio do Povo - Porto Alegre
“Chuvas na região serrana do Rio matam mais de 250 pessoas"
Zero Hora - Porto Alegre
“Vidas soterradas"

Jornal do Commercio - Recife
“Catástrofe no Rio"
Folha de S.Paulo - São Paulo
“Estado do Rio enfrenta a pior chuva em mais de 4 décadas"
O Estado de S. Paulo - São Paulo
“Chuvas causam maior tragédia natural do Brasil em 44 anos"

Jornal da Tarde - São Paulo
“Lama varre 3 cidades e mata famílias inteiras no Rio"

Com o assunto publicado por todas as mídias uma rede de solidariedade se formou e vários donativos começaram a ser entregues nos órgãos oficiais, inclusive na Guarda Municipal de Macaé. A GM Laila que não encontrava meios de ajudar as vítimas encontrou ali uma forma admirável de ser útil.

“A Guarda Municipal de Macaé, sem que eu esperasse, de repente passou a tornar-se um ponto de doação, roupas e donativos para a região serrana. Senti uma imensa alegria com isso, e resolvi literalmente "pôr a mão na massa". Liguei para todos que eu conhecia e pedi para que contribuíssem. ’ (http://eternamentefriburgo.blogspot.com/2011/06/quando-midia-divulgou-catastrofe-na-tv.html)

A noite do dia 13 transforma a catástrofe natural em tragédia nacional, pois é dimensionado como a maior tragédia natural da História do Brasil, quando o número de mortos atinge a impressionante marca de 506 pessoas. Mas os resgates estavam apenas começando e a campanha de solidariedade que ganhava os meios de comunicação ganhava força. A sociedade se mobilizava, a mídia divulgava os fatos trágicos e heróicos. Essa comoção social envolveu grande parte das pessoas e ao fim da noite do dia 14 de janeiro o Governo do Estado do Rio de Janeiro confirma a morte de 547 pessoas e que as chuvas continuam intensas na região.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, 247 pessoas morreram em Nova Friburgo, 237 em Teresópolis, 43 em Petrópolis e 16 em Sumidouro. Também há registro de quatro mortes em São José do Vale do Rio Preto.
(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/860973-governo-confirma-547-mortes-na-regiao-serrana-do-rj-municipios-ainda-enfrentam-chuva.shtml).

Uma rede social de apoio se forma por todo o país, principalmente no Estado do Rio de Janeiro. Bancos, empresas e cadeias de lojas participam desta mobilização. A Vale do Rio Doce doou dois reais para cada real doado por seus funcionários. Os bancos abriram contas especiais para receberem doações e especialmente o Itaú que repassou 1 (hum) milhão de reais para ajudar as vítimas da tragédia. A Santa casa de Misericórdia do Rio de janeiro doou 140 caixões e vagas em cemitérios. Os moradores de todas as áreas da cidade montaram postos de coleta com a colaboração de bares e restaurantes da região. “O Rio mais uma vez está demonstrando a força de seu espírito solidário em momento de catástrofes”. Declarou Pedro de Lamare Presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio, Ao jornal Folha de São Paulo. Juntamente com empresários da cidade, ele organizava um mutirão que passou por hotéis cariocas coletando alimentos e roupa de cama e banho.
O balanço parcial da catástrofe natural da região serrana do Estado do Rio de Janeiro ao final do dia 15 de janeiro de 2011 contabiliza 613 mortos. E os exemplos de solidariedade e voluntariado eram constantes e contribuíam para que mais ajuda chegasse para a região. Grupos percorriam a pé estradas destruídas que não eram possíveis de serem utilizadas pelos jipes do exército. Junto com o exercito a Força Nacional de Segurança atuou na região socorrendo vitimas. “É gratificante poder ajudar e salvar vidas. Não tem como ficar em casa e dormir sossegado, sabendo que tanta gente está precisando de nós", Alexandre Leal, morador de Nova Friburgo ao jornal Folha de São Paulo.
No dia da tragédia, o grupo de amigos foi um dos primeiros a chegar a Santa Rita. "Conseguimos resgatar 20 pessoas. Saímos da mata eram 11 horas da noite. Tinha pessoas precisando de remédios e criança sem comida. A gente conhece as trilhas desde menino, então viemos para cá ajudar", disse outro voluntário, Rafael Macedo de Carvalho: "Tem gente lá dentro que não sabia a proporção do que havia acontecido, pensava que tinha sido só lá, que tinha caído apenas uma barreirinha". (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/861348-voluntarios-ajudam-a-resgatar-moradores-de-areas-isoladas-em-teresopolis.shtml
Os exemplos de solidariedade eram muitos e o trabalho de receber, organizar e despachar as doações que chegavam a sede da Guarda Municipal de Macaé não cessavam e junto a todo esse trabalho a colaboração da GM Laila continuava ativa. Até que no dia 18 de janeiro ela recebe o convite para seguir como voluntária para atender diretamente as vítimas dos deslizamentos. Imediatamente aceita o convite e a jornada teria início no dia 20 de janeiro e retorno no dia 22 do mesmo mês.
No dia 20 de Janeiro a GM Laila segue para Nova Friburgo, do grupo de 20 Guardas Municipais voluntários apenas duas mulheres ela e a GM Sara Moura, técnica de enfermagem. Não sem antes contar com a dúvida do Corregedor da Guarda Municipal de Macaé, que de forma tradicionalista viu com restrições o serviço voluntário de uma mulher. No dia anterior a imprensa divulgava o número de 741 mortos, além de desaparecidos e de áreas ainda não atendidas pelo resgate. Era esse o desafio que a GM Laila e a GM Sara Moura encontrariam pela frente.
Esse grupo de voluntários fica estabelecido na região de Conquista, na zona rural de Nova Friburgo. O grupo é divido em Base 1, onde os voluntários atuam na linha de frente, resgatando pessoas, pertences e corpos. É nesta base que trabalha a GM Laila e a Base 2. Chamada de abrigo, onde a população encontra atendimento e orientação. Além de denunciar furtos e ocorrências policiais. Onde se estabelece a GM Sara Moura.
Foi nessa situação de calamidade que a GM Laila pode perceber o quanto de atenção, carinho e cordialidade recebeu de pessoas que estavam com problemas muito graves e sofrendo pela perca de parentes e amigos. Uma população fragilizada que para tudo e em qualquer situação buscava o apoio e a participação destes voluntários fardados, que ali, representavam todo o auxilio que o mundo enviava para eles. As famílias, quando não mais tinham corpos para serem resgatados, procuravam reaver seus objetos pessoais, que naquele momento lhes parecia muito mais importantes do que antes do desastre.
O dia 21 de Janeiro foi marcado por um maior aprofundamento no contexto social e humano pela GM Laila. A necessidade de ir a localidade de Pilões (terceiro distrito de Nova Friburgo) e convencer uma mãe a seguir com seu bebê para ser internado em um hospital já superlotado não é uma tarefa fácil. As pessoas têm o lar como um lugar seguro e nas dificuldades estar fora de casa é um sofrimento a mais. Sofrimento que a GM Laila também experimentava.
Vi e sequei muitas lágrimas. Sentava no meio fio, na rua e na calçada fardada para ouvir e levar um carinho, uma palavra de conforto e de consolo àquelas pessoas. Eu tentava sentir um pouco da dor deles, e de fato eu sentia. Mas creio que só quem perdeu tudo, sabe da intensidade do seu sofrimento. GM Laila.
(http://eternamentefriburgo.blogspot.com/2011/06/apoio-e-parceria-com-o-bope-e-pm-para.html)

Certamente a presença dos voluntários modificou a vida das pessoas, mas sem dúvidas estas pessoas modificaram a vida destes voluntários, principalmente da GM Laila que escreve em um de seus depoimentos. “Cresci muito como profissional e como ser humano diante daquelas pessoas tão simples e tão acolhedoras, carentes, sofridas e sábias.”
O forte laço familiar dos moradores da região é demonstrado no caso da menina Raquel. Um homem que já havia perdido sua mulher na enxurrada permanece agarrado com seus quatro filhos durante a tormenta. Mas um novo golpe da água faz com que ele solte dois deles, mas que ainda se mantém sob a visão do pai, agarrados em uma cerca de arame farpado, mas logo ele perde os filhos de vista e fica em completo desespero por ter dois de seus filhos consigo e dois perdidos. Por fim ele reencontra na Base 2 seus dois filhos perdidos, sendo um deles a menina Raquel com mais de 60% do corpo em “carne viva”.
Mas estes laços familiares também eram rompidos a força. Como o caso de “Seu” Aroldo. Ele conseguiu salvar esposa e filhos, mas não pode salvar seu irmão levado pela enxurrada e resistiu a tentar salva a sobrinha de 10 (dez) anos que da casa ao lado gritava “Tio me salva”. A tentativa de salvamento certamente seria a morte para o próprio “Seu” Aroldo, que também não tentou salvar as pessoas que passavam carregadas pelas águas próximas a sua casa. O caso de “Seu Elmir” é destacado como uma lição de vida. Ele perdeu filho, filha, sobrinha, esposa, carro, casa e a lavoura. E para se conformar da perda, utiliza o argumento de que “Deus sabe os porquês e um dia eu vou entender. Porque eu não morri também? Não sei. Acho que minha esposa se foi com as crianças porque Deus sabe que ela não suportaria sentir tamanha dor que eu estou sentindo, por isso a levou” Com esse exemplo a GM Laila se sente comovida e percebe de como costuma reclamar de coisas pequenas e banais.
Os sentimentos da GM Laila estavam muito presentes em todos os momentos em seu blog ela relata:
“Cavamos, puxamos galhos de árvores, tiramos pedras, respirávamos de máscaras a lama podre, mas não achamos nenhum corpo. Talvez estivessem muito abaixo da terra, ou quem sabe os rios de lama os tivessem levado para longe dali.Não encontramos nada que pudesse servir ao Seu Elmir. Porém cada objeto que eu via ou tocava, me fazia pensar e discretamente me emocionar. Emoção esta que eu não deixei aflorar. Sufoquei dentro de mim. Eu não estava ali para chorar, estava ali para somar!”
Mergulhar em outra realidade social é um fator que pode provocar reações e gestos inesperados e essas reações estavam atingindo a GM Laila intensamente, eram pequenas tragédias dentro de uma grande tragédia. E a atitude analítica da Micro História é perfeita para conduzir essa investigação. Como afirma Giovanni Levi a Micro História é um zoom em uma fotografia, sem deixar de considerar o restante da fotografia.
As realidades dos dois mundos vão se integrando. O voluntário com espírito forte e pronto para ajudar e o morador local desamparado e perdido por tanta dor que sente, mas também sempre pronto para ajudar com um café, um biscoito ou uma conversa. E foi a GM Laila que encontrou um elo entre esses dois mundos ao conhecer e adotar uma cadela de aproximadamente um ano que tinha o mesmo nome dela. Essa cadela que pertencia a uma menina falecida representou um signo vivo entre as distantes realidades, mas que por alguns momentos estavam integrados.
Por fim é importante ressaltar o caráter amplo de algumas atitudes particulares. O caso retratado neste artigo certamente foi vivenciado por outras centenas de pessoas que com sua ação modificou a história de outras milhares de pessoas, formando essa grande história de desastre e solidariedade em janeiro de 2011 em Nova Friburgo.
Bibliografia:
ROSA, Helena. História Oral e Micro-história: aproximações, limites e possibilidades. In: IV Encontro Regional Sul de História Oral – anais, 2007.
LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial: Trajetória de um exorcista no Piemonte do Século XVII. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 2000. (43 – 52 p.)
Sites:
http://eternamentefriburgo.blogspot.com/
http://acervo.folha.com.br/

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