quarta-feira, 8 de junho de 2011

Fichamento do livro Maurice Dobby e Outros. A Transição do Feudalismo para o Capitalismo

"feudalismo", que tem sentidos diferentes para historiadores marxistas e alguns não marxistas.

Marx, ao escrever sobre "feudalismo", utilizava o termo para descrever toda uma ordem social cuja principal característica era o domínio do resto da sociedade, principalmente dos camponeses, por uma aristocracia militar proprietária de terras.

Seu enfoque na maneira específica pela qual o trabalho do produtor direto, retirado o necessário para suas necessidades de subsistência, transformava-se na renda da classe dominante. Quer sob a forma de trabalho direto ou renda em espécie ou dinheiro. Esta relação é chamada "servidão".

Desde então, historiadores não marxistas apuraram o sentido do termo, de modo que ele não mais descreve uma ordem social completa, mas certas relações específicas no interior da classe medieval dominante.

Os feudos eram ocupados pelos vassalos em troca de serviço militar nas hostes do senhor, comparecimento à corte de jurisdição do senhor, aconselhamento e assistência ao senhor. Tomado nesse sentido refinado, feudalismo tem pouco a ver com as relações entre senhores e camponeses.


Uma crítica
Paul Sweezy

Paul Sweezy
Paul Malor Sweezy (Larchmont, Nova York, 10 de abril de 1910 - 27 de fevereiro de 2004) economista marxista "o mais importante intelectual marxista do país", segundo publicado pelo New York Times em seu obituário e fundador da revista Monthly Review junto com Leo Huberman, a mais importante revista marxista dos EUA.

Dobb (Maurice Herbert Dobb 24 de julho de 1900 - 17 de agosto de 1976 foi um britânico marxista economista e professor 1924-1959 e 1959-1976 na Universidade de Cambridge e membro do Trinity College, Cambridge 1948-1976.) define o feudalismo como sendo "virtualmente idêntico com o que usualmente se entende por servidão: uma obrigação imposta ao produtor pela força, independentemente de sua vontade, no sentido de cumprir certas exigências econômicas de um senhor, quer sob a forma de serviços a serem prestadas ou de tributos a serem pagos em dinheiro ou espécie.

Parece-me que esta definição é falha, ao não identificar um sistema de produção. Alguma forma de servidão pode existir em sistemas que nada têm de feudal; e mesmo como relação dominante de produção, a servidão tem estado associada com diferentes formas de organização econômica em diferentes épocas e em diferentes regiões.

O que está implícito é que os mercados na maioria são locais, e que o comércio a longa distância, ainda que não necessariamente ausente, não desempenha papel decisivo nos objetivos ou métodos de produção.

Um elemento de instabilidade é encontrado no crescimento populacional. A estrutura da senhoria limita o número de produtores que é capaz de empregar e o número de consumidores que pode sustentar, e o inerente conservadorismo do sistema inibe a expansão generalizada. Isso não significa, é claro, que o crescimento é impossível, mas apenas que ele sempre é inferior ao aumento da população.

Essa população excedente, porém, conquanto contribua para a instabilidade e insegurança, não exerce nenhuma influência criadora ou revolucionária sobre a sociedade feudal. Podemos concluir, então, que o feudalismo europeu ocidental, apesar da instabilidade e insegurança crônicas, foi um sistema com forte tendência em favor da manutenção de certos métodos e relações de produção.

Dobb resume da seguinte maneira a explicação comumente aceita sobre o declínio do feudalismo: "Economia natural" e "economia de troca" são duas ordens econômicas que não podem misturar-se, e a presença desta, dizem-nos, é suficiente para causar a desintegração da primeira.

Em outras palavras, de acordo com a teoria de Dobb a causa fundamental do colapso do feudalismo foi a super exploração da força de trabalho: os servos desertaram das propriedades senhoriais en masse, e os que permaneceram eram muito poucos e demasiadamente sobrecarregados para permitir que o sistema se mantivesse na sua antiga base.

Dobb se esquece de citar que as cidades em rápido crescimento — a oferecerem, como o faziam, liberdade de emprego e melhoria de posição social — agiram como potentes ímãs para a população rural oprimida. E os próprios burgueses, necessitando de maiores contingentes de mão-de-obra e de mais soldados para fortalecer seu poderio militar, tudo fizeram para facilitar a evasão dos servos à jurisdição de seus amos.

Resumindo as críticas da teoria de Dobb sobre o declínio do feudalismo: não tendo analisado as leis e tendências do feudalismo europeu ocidental, engana-se ao tomar como tendências imanentes certos desenvolvimentos históricos que de fato só podem ser explicados como produto de causas externas ao sistema.






O que se seguiu ao feudalismo na Europa Ocidental?

Segundo a cronologia de Dobb — que provavelmente ninguém porá em dúvida — o feudalismo europeu ocidental entrou num período de crise aguda no século XIV e daí por diante se desintegrou, com maior ou menor rapidez em diferentes regiões.

No que tange à transição do feudalismo para o capitalismo, todavia, este é um erro grave. Como a anterior declaração de Dobb enfatiza o feudalismo na Europa ocidental já estava moribundo, senão realmente morto, antes do nascimento do capitalismo. Segue-se que o período intermediário não foi uma simples mistura de feudalismo e capitalismo: os elementos predominantes não eram nem feudais nem capitalistas.

Chamarei o sistema que prevaleceu na Europa ocidental durante os séculos XV e XVI simplesmente de "produção pré-capitalista de mercadorias" para significar que foi o crescimento da produção de mercadorias o que primeiro solapou o feudalismo e que, um pouco mais tarde, depois desse trabalho de destruição se encontrar praticamente concluído, preparou o terreno para o desenvolvimento do capitalismo.




Uma réplica
Maurice Dobb
Em primeiro lugar, não estou certo de que Sweezy rejeite minha definição de feudalismo ou apenas a considere incompleta.
Essa definição, segundo ele, assenta na virtual identificação do feudalismo com servidão — se se entende pela última não apenas a prestação de serviços compulsórios, mas a exploração do produtor mediante coação direta político-legal.

O foco de atenção na interpretação feita por Sweezy do processo histórico (Para ele, "a característica crucial do feudalismo", por exemplo, é "ser um sistema de produção para uso").

É certo, naturalmente, que em contraste com a economia capitalista a sociedade feudal era extremamente estável e inerte. Mas isto não quer dizer que o feudalismo não tivesse no seu interior nenhuma tendência para a mudança.

Ninguém está sugerindo que a luta de classes dos camponeses contra os senhores deu origem, de maneira simples e direta, ao capitalismo. O que ela fez foi modificar a dependência do pequeno modo de produção em relação à suserania feudal e, com o tempo, libertar o pequeno produtor da exploração feudal.

Absolutamente, não nego que o crescimento das cidades mercantis e do comércio desempenhou importante papel na aceleração da desintegração do antigo modo de produção. O que afirmo é que o comércio exerceu sua influência na medida em que acentuou os conflitos internos no antigo modo de produção.

A transição da apropriação coercitiva do trabalho excedente pelos proprietários para o uso de trabalho assalariado livre deve ter dependido da existência de oferta de trabalho barato. Para mim este foi um fator mais importante do que a proximidade dos mercados na determinação da sobrevivência ou dissolução das antigas relações sociais.

Concordo inteiramente com Sweezy em considerar a sociedade econômica na Europa ocidental entre o século XIV e o final do século XVI como complexa e transitória, no sentido de que as formas econômicas antigas estavam em processo de rápida desintegração enquanto as novas apareciam, simultaneamente.


Uma contribuição para o debate
Kohachiro Takahashi


Os Studies de Dobb, ainda que não se restrinjam ao desenvolvimento do capitalismo inglês, não dão a devida atenção aos trabalhos franceses e alemães, que certamente não se encontram em nível inferior aos ingleses.

Tanto os Studies de Dobb quanto a crítica de Sweezy começam com definições conceituais gerais de feudalismo e capitalismo, que não são mera questão de terminologia, mas envolvem métodos de análise histórica.

Dobb, rejeitando os conceitos tradicionais correntes entre historiadores "burgueses", procura a essência da economia feudal nas relações entre os produtores diretos (artesãos e camponeses cultivadores) e seus senhores feudais. Este enfoque caracteriza o feudalismo como um modo de produção, é crucial para a definição de feudalismo dada por Dobb, e em geral coincide com o conceito de servidão.

Sweezy critica a identificação feita por Dobb de feudalismo com servidão. Sweezy nega que a servidão constitua uma categoria histórica em separado. Todavia, não indica o que constitui a forma de existência específica da força de trabalho própria ao feudalismo como modo de produção.

Minha opinião é a seguinte: Ao considerarmos os modos de produção antigo, feudal e burguês moderno como os principais estágios da história econômica, a primeira coisa a considerar deve ser sempre a forma de existência social de produção. Ora, certamente as formas (tipos) básicas de trabalho são a escravidão,
a servidão e o trabalho assalariado livre; e positivamente está errado, como uma concepção geral, separar a servidão do feudalismo. A questão da transição do feudalismo para o capitalismo não é apenas uma transformação em formas de instituições econômicas e sociais. O problema fundamental deve ser a mudança na forma de existência social da força de trabalho.

Muito importante é a ênfase posta por Dobb no fato de que o capitalismo surgiu do pequeno modo de produção, o qual alcançou sua independência e ao mesmo tempo promoveu sua diferenciação social a partir do seu próprio interior. A tese de Dobb apresenta a questão histórica em duas fases: primeiro, a pequena produção estabeleceu-se gradualmente como base sólida da sociedade feudal; depois, essa produção em pequena escala, em consequência do aumento da produtividade, fugiu às restrições feudais, e chegou à sua própria desintegração, criando assim as relações capitalistas



Algumas observações
Georges Lefebvre


Por outro lado, não se pode sustentar que a estrutura social do campo, no período de que tratamos, só pode ser definida em termos de servidão, pois continuavam a existir várias categorias de proprietários livres, vilãos emancipados e proprietários alodiais (semi livres).

Se o senhor aumentava suas exigências, como sustenta Dobb, isso se devia em parte ao fato de que sua progenitura multiplicava o número dos que usufruíam seus rendimentos; se os camponeses fugiam, isso se devia em parte a que se tinham tornado demasiado numerosos para se sustentarem com suas terras.


Uma sinopse do debate
Giuliano Procacci


O mais controverso problema na polêmica entre Dobb e Sweezy refere-se à validade das teses de Pirenne sobre o papel desempenhado pelo comércio, em suas várias formas, no desenvolvimento e decadência da sociedade feudal. São bem conhecidos os pontos de vista do historiador belga sobre a matéria: acreditava ele que a corrente comercial que se estabelecera durante o Império Romano na bacia mediterrânea fora interrompida no século VII, quando os invasores árabes e Império Franco, Maomé e Carlos Magno, deram fim a essa tradicional unidade geográfica. O renascimento econômico da Europa no século XI foi causado, então,
Segundo ele, exatamente pelo ressurgimento do comércio internacional. Devemos então concluir que esse comércio e esse tipo especial de capital que ele criou foram a força motriz no desenvolvimento da sociedade feudal a que deram origem. Assim, também o declínio da sociedade feudal e sua substituição pela sociedade capitalista devem ser uma função direta da sorte do comércio e do capital comercial.

Recordemos as objeções factuais levantadas em sucessivos comentários às críticas de Sweezy. Tanto Dobb como Hilton reiteraram que o desenvolvimento e a decadência do feudalismo resultaram de elementos que operavam no seu interior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário